Rodrigo Spada* e Tolstoi Nolasco**
Em 2020, o fim do voto de qualidade em favor da Fazenda Pública foi a gota d’água que fez transbordar o balde já cheio de disfuncionalidades do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Diante da ineficácia do atual modelo, é preciso reformá-lo, e é oportuno que se comece justamente pela gota d’água que escancarou as distorções do Conselho. É isso o que faz a Medida Provisória 1160/2023, encaminhada pelo governo federal ao Congresso Nacional em janeiro.
Com a MP, o poder de desempate de votações no Conselho sai das mãos dos representantes dos interesses privados e volta para a Administração Pública. A medida restabelece o princípio constitucional da supremacia do interesse público sobre o particular, que tem encontrado dificuldades para ser efetivado dentro do Carf.
O desenho institucional do Conselho deixa-o demasiadamente exposto ao exercício de pressão de pequenos, mas poderosos, grupos de interesse. Não há paralelo em todo o mundo de um conselho administrativo de recursos fiscais com órgão julgador composto por três instâncias, com composição paritária entre a fazenda pública e o setor privado e com evidente sobrerrepresentação de grandes contribuintes.
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Os defeitos da formatação ficam evidentes nos resultados do conselho. O tempo médio de tramitação de processos no Carf é de seis anos. E, mesmo depois de todo esse tempo, apenas 5% dos valores são recolhidos quando há decisão favorável ao Fisco, segundo dados da Receita Federal.
Nesse cenário, o fim do voto de qualidade esvaziou ainda mais o poder de arbítrio da Fazenda Pública sobre os entendimentos do Conselho e a deixou em franca desvantagem naquela que é a última instância para a defesa dos interesses da Administração. Isso ocorre porque a Fazenda Pública não pode recorrer à Justiça em casos em que seu entendimento é derrotado no Carf. Aos contribuintes, por outro lado, é facultado o direito de judicializar as questões tributárias mesmo diante de derrota no Conselho.
Essa mudança gerou perdas ao erário estimadas em R$ 60 bilhões em âmbito federal. Caso não seja revertida, essa situação pode ficar ainda pior, porque há pressão em outros entes da federação para que o mau exemplo do Carf seja replicado nos conselhos administrativos dos estados e municípios. Essa ameaça fez o Fórum Nacional de Governadores publicar uma manifestação de apoio à Medida Provisória.
O governo federal já apontou o caminho e o Congresso Nacional precisa ratificar esta mudança no voto de qualidade para que o Carf seja mais que uma instância protelatória, com vantagens aos interesses privados sobre os públicos.
*Auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite)
**Auditor fiscal do Estado da Bahia e diretor do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado a Bahia (IAF)