Em cartaz no Netflix, o filme Resistência, de Jonathan Jakubowickz, conta a história da participação do mímico Marcel Marceau (interpretado por Jesse Eisenberg) na resistência francesa. Marceau, considerado o maior mímico de todos os tempos, desenvolveu a sua arte para entreter crianças judias e resgatá-las da maldade nazista. Da cidade de Limoges, na França, ele ajudou a retirar do território ocupado pelos nazistas centenas de crianças, abrigando-as na Suíça.
Além da história bonita e emocionante que conta, o filme Resistência é uma boa opção para entender o tamanho da crueldade nazista. Era uma meticulosa produção de horror e maldade. Um sistemático processo de eliminação de pessoas baseada na absurda ideia de pureza racial. Crianças de tornavam órfãs e passavam elas também a ser vítimas do extermínio. Milhões de pessoas morreram assim. Especialmente judeus, mas também ciganos, negros. Um processo frio, desumano de meticulosa destruição.
A história da ascensão do nazismo é toda ela tomada de destruição. Cruel e meticulosa. Em 1938, ainda no início da guerra, os nazistas promoveram dois dias de violência contra os judeus, no que ficou conhecido como Noite dos Cristais. O nome deve-se aos milhares de cacos de vidros das vitrines das lojas de comerciantes judeus partidas. Na ocasião, as forças policiais e de segurança nada fizeram para impedir a violência.
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No dia 8 de janeiro, grupos bolsonaristas invadiram os três principais prédios da República. Destruíram obras de arte de valor inestimável. A tudo, as forças policiais e de segurança assistiram inicialmente pouco fazendo – ou mesmo nada – para impedir a violência.
A partir do momento em que agora se torna conhecida a tragédia na região yanomami, com um incontável número de crianças e adultos mortas e desnutridas, é impossível não pensar novamente em uma sistemática e meticulosa arquitetura da destruição. Contra os judeus e outras minorias na Europa, esse processo ganhou o nome de Holocausto. Começa a ficar claro que por aqui produziu-se da mesma forma um Holocausto. Que teve o povo yanomami como vítima.
A futura presidente da Fundação Nacional do Índio, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), classifica o que aconteceu no território yanomami como “catástrofe humanitária”. Foi declarada situação de emergência pública de saúde na região depois da visita a Roraima, neste final de semana, de delegação comandada pelo presidente Lula.
PublicidadeA tragédia que se abateu sobre a nação yanomami não pode ser considerada fruto somente de inação e incompetência. Ela é resultado de uma ação sistemática. Os problemas na região eram de conhecimento do governo que se encerrou no final do ano passado. Bolsonaro ignorou 21 pedidos de socorro. O garimpo instalou-se dentro da região indígena com uma força que não se via desde antes da demarcação do território.
Bolsonaro não apenas nada fez para evitar como chegou a visitar, como presidente, um garimpo ilegal na região de Raposa Serra do Sol. Embora essa região fique fora da área yanomami, não parece haver dúvida do estímulo que provocou para a aceleração da mineração ilegal em todo o estado. Sabe-se agora que a visita a esse garimpo custou R$ 163 mil em gastos com cartão corporativo. E aqui há outro ponto que vai precisar ser observado. Bolsonaro usou fartamente dinheiro público com seu cartão corporativo para financiar não atos de governo, mas atos de campanha política. E se esses atos ajudaram a promover a destruição do país e a morte de cidadãos que vivem em território brasileiro, como os yanomami, tudo se torna ainda mais grave.
Tudo faz parte de um mesmo processo de destruição deliberada. Na cabeça de Bolsonaro e seu grupo, a floresta amazônica é uma imensa região de terra inaproveitada, que deveria ser ocupada com pastos e plantações. Se os yanomami são um obstáculo, que então desapareçam.
Em 1998, quando era deputado, Bolsonaro elogiou em um discurso a cavalaria norte-americana por ter dizimado populações indígenas. Segundo ele, por causa disso, os Estados Unidos não tinham “mais esse problema” no seu país.
A declaração deixa clara a ideia de Bolsonaro de que a crueldade norte-americana, cometida há mais de uma centena de anos, é uma opção válida. Deixa clara a sua opção pela destruição como estratégia.
Há muito no Brasil a ser reconstruído. Mas certamente o maior desafio está na reconstrução da sua alma. Do seu coração. Nós não podemos achar tais coisas naturais. Não podemos aceitar conviver com essa arquitetura da destruição. Precisamos ter mais e mais vergonha disso. Nós não somos assim.