Celso Lungaretti*
Talvez o destino dê uma mãozinha para Guilherme Boulos, detonando sua aposta desastrada de tentar pegar carona nas vicissitudes do ex-presidente Lula, o que equivaleria a trocar uma trajetória ascendente e promissora pela esperança de tornar-se o terceiro poste de um político profissional em franco declínio.
É que o Lula vem emitindo claros sinais de que, tão logo seja formalmente declarado inelegível pela Justiça Eleitoral (como ninguém mais duvida que será), já escolheu como seu substituto o segundo poste, Fernando Haddad.
Apesar do sonho de uma noite de verão do Boulos, Lula tem cogitado como possíveis sucessores na corrida presidencial apenas dois personagens: o Haddad e o Jaques Wagner, que tem como calcanhar de Aquiles uma investigação da Polícia Federal por suspeita de que, quando governava a Bahia, tenha recebido propina do consórcio responsável pela construção da Arena Fonte Nova, um dos estádios da Copa do Mundo de 2014.
Sobre o segundo, Lula disse na semana retrasada, num encontro com amigos em São Paulo, que Wagner levou um tiro, mas ainda não dá para saber se foi “no peito ou na canela”.
Durante a mesma conversa, Lula comentou que a educação será tema importante na próxima eleição presidencial. Haddad foi ministro da Educação dos governos Lula e Dilma.
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E não é segredo para ninguém que Lula vê Haddad como uma espécie de filho político, nunca tendo se mostrado disposto a colocar o Boulos em plano de igualdade, por mais que este insistisse em ser adotado.
Então, o quadro previsível é o seguinte:
1) Lula registra sua candidatura até a data limite de 15 de agosto;
2) o Tribunal Superior Eleitoral a impugnará com base na Lei da Ficha Limpa;
3) provavelmente em setembro, contrariada mas cedendo à imposição de Lula, a cúpula petista confirmará Haddad como candidato;
4) o PT se torna mero coadjuvante da eleição deste ano, pois o nada carismático Haddad, após a péssima imagem que deixou como prefeito de São Paulo (ao tentar reeleger-se foi simplesmente fulminado pelo adversário tucano João Doria, que liquidou a fatura logo no primeiro turno), tem tanta chance de tornar-se presidente da República quanto eu de tornar-me papa.
O certo é que o Boulos jamais foi aceito como igual pelos grãos petistas, apenas tolerado.
Filho de um professor da USP, ele saltou da militância estudantil para o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto em 2002, começando a projetar-se logo no ano seguinte, como um dos coordenadores da ocupação de um terreno da Volks em São Bernardo do Campo.
Decolaria de vez em 2014. Após não ter apoiado as manifestações contra o aumento das tarifas do transporte coletivo em junho de 2013, foi o principal expoente dos protestos contra a falta de investimentos sociais, ao mesmo tempo em que o governo federal desperdiçava rios de dinheiro nas maracutaias do Mundial da Fifa.
Continuou no PT apesar dos desvios de rota sob a presidência da Dilma, como o endosso à aprovação de uma lei antiterrorismo e a rendição ao neoliberalismo dos inimigos de classe. Mas, em pronunciamentos e nos artigos escritos para a Folha de S. Paulo, criticava a direitização dilmista.
Permaneceu até recentemente na posição confortável de pertencer ao PT sem ser visto como responsável pelas decisões desastrosas que têm marcado a decadência do partido.
Mas, picado pela mosca azul do poder, acaba de cometer o seu primeiro grande erro: acreditou que, ingressando no Psol, poderia tornar-se candidato à eleição presidencial apoiado por Lula e pelo PT.
Superestimou o tirocínio político do primeiro: seria, sim, a melhor jogada para Lula, mas ele não se notabiliza por tomar decisões racionais, vendo a si próprio como um intuitivo genial.
Conseguiu botar a faixa presidencial no primeiro poste, embora tal escolha acabasse praticamente destruindo a esquerda brasileira e o PT.
Conseguiu fazer do segundo poste um dos prefeitos mais detestados pelos paulistanos em todos os tempos.
O verdadeiro inimigo está cada vez mais evidenciado
Agora acredita (e só ele crê nisto) que possa repetir a dose. Assim como acreditava que, por ter escapado incólume do mensalão, seria indestrutível, não necessitando adotar cautelas para evitar que os tivessem uma segunda chance…
Então, plano A malogrado, resta a Boulos um possível plano B: assumir-se como candidato da esquerda independente, dissociada da debacle petista na década atual e disposta a reerguer a bandeira das lutas anticapitalistas e da organização do povo para a construção de uma alternativa de poder.
Pode não ganhar a eleição, mas ganhará uma perspectiva de futuro, pois esta é a pauta da reconstrução da esquerda, depois que a conciliação de classe, o reformismo e o populismo a conduziram a um beco sem saída.
É isto ou torcer para o Haddad chegar ao 2º turno e oferecer qualquer esmolinha política ao Psol como pagamento de seu apoio contra o candidato da direita.
*Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blog Náufrago da Utopia.
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