O decreto de participação social vai confiscar propriedades?
“Prezado Sr. Henrique Parra, gostaria que o sr. me esclarecesse se é fato ou fake a mensagem que está circulando nas redes sociais: “Saiu no Diário Oficial hoje que o governo vai decidir quem é o dono da propriedade que vc tem. Chama de decreto de ‘participação social’. Isso foi um decreto assinado hoje. Foi assim que começou na Venezuela. Começaram com a censura e depois o confisco de propriedades. Isso ainda tem que passar pelo Congresso, mas como está tudo sem freio no Brasil… Isso é muito sério, muito grave. Agradeço sua atenção! Ana.”
Uma das recentes fake news de Bolsonaro foi suficiente para que o Congresso em Foco recebesse a mensagem acima, endereçada a mim. É de Ana (não assina com sobrenome). Provavelmente ela buscou sobre o tema e encontrou um artigo meu, aqui no site, escrito em 2014.
Escrevi sobre esse tema em artigo intitulado “Participação Social é Ditadura?“. Naquela ocasião, apontava como era grave que Veja, Estadão, Reinaldo Azevedo e parte de uma oposição radicalizada inventassem que havia uma “ameaça de venezuelização” no Brasil por causa da Política Nacional de Participação Social (PNPS). Infelizmente, anos depois essa onda virou tsunami em 2018 e, mesmo derrotada em 2022, produz diariamente radicalização e violência política no país. Segue hegemonizando a oposição. A única boa notícia nesse período foi Reinaldo Azevedo pulando fora desse barco.
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Se é fake a mensagem do Whatsapp? Completamente fake, Sra. Ana. Tente se tranquilizar. É mais uma “mentira envenenada” que a bruxa do bolsonarismo entrega sob disfarce para enfeitiçar brasileiros.
Nem o Decreto nº 11.407, que cria o Sistema de Participação Social, nem o Decreto nº 11.406, que criou o Conselho de Participação Social, sequer tem a palavra PROPRIEDADE ou algo que diga respeito ao tema. Bastaria pesquisar pelos decretos (que são públicos) e ler. Cada um deles tem menos de uma página.
PublicidadeE nem poderiam fazer o que a fake acusa. Decretos não podem alterar leis, muito menos a Constituição (nunca é demais lembrar que o artigo quinto da Carta garante o direito à propriedade). Decreto só define os detalhes de como o Executivo vai implementar o que as leis já determinam ou reorganiza o próprio funcionamento interno do governo. Bastaria pesquisar rapidamente sobre decretos executivos ou sobre quais leis protegem o direito à propriedade.
Pior. A Constituição da Venezuela prevê o confisco de propriedade privada (artigo 116) apenas em alguns casos específicos, como bens de pessoas físicas ou jurídicas responsáveis por “crimes contra o patrimônio público” ou que tenham enriquecido ilicitamente, entre outros. Nenhum desses casos tem referência com qualquer “decreto de participação social” que tenha sido aprovado por lá. Bastaria uma pesquisa rápida para descobrir isso através das diversas agências de verificação que há anos atuam no país, produzindo verificações técnicas e objetivas disponíveis gratuitamente na internet para quem realmente quer se informar.
Mas eu posso imaginar o estado de perturbação que essa mentira envenenada produziu na senhora. Afinal, ela foi criada para isso. Para gerar emoções. Medo, terror, ódio. Para confirmar conceitos estabelecidos anteriormente, confirmar visões de mundo. Pior. Deve ter vindo junto com links, falas e recortes que davam “provas” de como há uma ameaça e que VOCÊ precisa lutar contra ela.
Acompanho de perto tudo isso há algum tempo e sei como o bolsonarismo é uma seita política extremamente exigente. Não dá folga. Não respeita férias, feriado, nada. Todo dia será um alerta novo e preocupante, uma ameaça para ser combatida. Algum absurdo para causar horror e revolta. E não podem faltar as chamadas para ação, as promessas de que basta você agir que será possível conquistar algo. Renovando os pedidos por mais 72 horas, pedindo que aguente mais um pouco.
Lamento muito que nossa sociedade dê dinheiro, poder e prestígio para quem causa todo esse mal. Mas a senhora foi enganada. E nesses 14 dias que demorei para responder consigo imaginar que outras mentiras foram fabricadas para manter a senhora emocionalmente abalada. Tenho poucas esperanças do que possamos fazer individualmente. Nem tenho qualquer conselho para lhe dar, Sra. Ana.
Essa infodemia só vai ser resolvida com a regulação das redes, como a Europa já fez.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.