O discurso, os símbolos, os gestos e atitudes de personalidades públicas têm o poder de influenciar àqueles que se identificam como são seus liderados, fãs ou seguidores, que por sua vez, têm à essas figuras públicas como modelos a serem seguidos.
Sabe-se que as palavras, mesmo que soltas ao vento, se materializam em atitudes. Não é de hoje que o presidente da República tem defendido o uso de armas e, mais do que isso, tem conseguido via Congresso Nacional aprovar projetos que potencializam o armamento da sociedade. Soma-se a isso uma coleção de discursos e comportamento que alimentam a cultura do ódio, proferindo palavras de estímulo à violência contra os diferentes dele. Desde quando deputado federal, pronunciava frases em tom enraivecido como: “Através do voto, você não vai mudar nada nesse país; só vai mudar infelizmente quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil; o erro da ditadura foi torturar e não matar”. Tempos atrás, inclusive, sugeriu que Fernando Henrique Cardoso fosse fuzilado.
Na última campanha presidencial, discursou: “Vamos fuzilar a petralhada”. Aliás, qual era mesmo o símbolo da campanha presidencial? Quando muitos achavam que tudo aquilo era conversa fiada para ganhar a eleição e que isso não aconteceria quando ele virasse presidente, o tom do discurso foi mantido, e os freios institucionais não foram capazes de contê-lo. Assim, a fala presidencial seguiu legitimada pelos que silenciaram, e promoveu o empoderamento dos seus seguidores, autorizando-os simbolicamente a propagarem o mesmo discurso e terem o mesmo comportamento.
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Dezenas de fotos, vídeos, áudios e textos mostram a propagação de um discurso de ódio e discriminação ao diferente, ao inimigo criado no imaginário popular, que tem que ser combatido a qualquer custo. Frases como “Jesus não comprou pistola porque não tinha; armar a população pra combater um inimigo”. Ora, quem é o inimigo? Outra: “Você sabe como deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições”. E ainda, mais uma declaração em relação às manifestações de apoio ao presidente Lula: “Um tiro só, ou uma granadinha mata todo mundo”.
Percebam agora como as palavras e os discursos se materializam nas práticas. Depois de diversos episódios de apoiadores bolsonaristas, como: jogar fezes nos adversários políticos por meio de drones e ataques com bombas caseiras a eventos petistas, veio o episódio da morte do dirigente do PT, Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu. E enquanto o assassino atirava, gritava que iria matar todos os petistas, expondo os sinais da quebra do pacto civilizatório, da intolerância, e de um iminente estado de barbárie. Isto não seria possível sem a naturalização do discurso de violência.
E talvez tão trágico quanto o ataque desumano do bolsonarista é ver setores da imprensa oficial e dos esgotos sem controle de redes e mídias sociais publicarem “manchetes” para distorcer a verdade dos fatos. A maldade da criação de uma falsa simetria, como se essa fosse uma tragédia provocada pela briga entre um petista e um bolsonarista, como se os dois fossem culpados, como se ninguém tivesse razão e como se os dois fossem equivalentes. Num país onde as pessoas praticamente só leem a manchete e repassam nos grupos sem pensar, sem um julgamento crítico, é pura má fé ver manchetes exaltando “troca de tiros entre petista e bolsonarista” ou mentindo descaradamente que existiria uma “rixa antiga entre os dois”.
O fato que se apresenta a todos nós é que um bolsonarista, com discurso de ódio internalizado, provocou o aniversariante e invadiu a festa de aniversário do dirigente sindical petista, que tinha como tema o ex-presidente Lula. Entrou atirando para matar e o petista atirou em legitima defesa para tentar defender a si mesmo, à sua própria família e amigos que estavam no local.
É repugnante ver que o negacionismo e a distorção dos fatos encontra espaço até mesmo diante de um crime tão bárbaro. Um crime político, sim, estimulado pelo ódio, sim. Pior é no dia seguinte ver o comportamento do representante maior da nação dizer que “rejeita” esse tipo de apoiador, sem demonstrar nenhuma grama de humanidade para com a família do dirigente do PT que foi assassinado no dia do seu aniversário. E seu filho, Eduardo Bolsonaro, no dia seguinte, comemorar aniversário com um bolo em forma de revólver, rodeado por balas. Isto é repugnante, é um escárnio.
A culpa não é da tão falada “polarização”. É da violência estimulada pelo próprio presidente da República. A polarização política, para não ir tão longe, tem sido comum desde a redemocratização do Brasil. No entanto, mesmo nas disputas entre Collor e o PT e nas seis disputas entre o PT e o PSDB havia um respeito mútuo entre os presidenciáveis e suas militâncias. Os líderes se viam como adversários, mas não como inimigos. Porém, o atual presidente tenta polarizar a eleição dando a conotação de uma luta entre inimigos, onde o inimigo deveria ser aniquilado. E isto, remete ao fascismo.
Mesmo assim, tenta-se forçosamente comparar Lula e Bolsonaro como dois iguais em lados extremamente opostos. Esta comparação é falsa. São personalidades completamente diferentes. Mas, o discurso propagado por Bolsonaro estimula uma parte da população, mesmo que não seja adepta de nenhum dos dois a achar que são a mesma coisa. É uma indução a uma confusão mental tão bem arquitetada que confunde as pessoas mesmo quando se trata de discursos absurdos e contraditórios. Alguém já imaginou por exemplo, a figura de Jesus Cristo segurando uma arma e defendendo que as pessoas se armem contra seus inimigos? Ora, nem no caminho da crucificação Jesus estimulou a violência ou o revide: ao contrário, pediu que um de seus apóstolos baixasse a espada. É tão contraditório como alguém se dizer a favor da vida e por isso ser contra o aborto, mas defender a morte de outras pessoas, sejam elas quem forem.
São contradições fáceis de observar, por exemplo, no próprio perfil do policial penal federal Jorge Guaranho, em uma rede social, todas estas contradições juntas e explícitas: “Conservador, Cristão, Bolsonaro Presidente, armas = defesa, Não ao Aborto…”. Neste perfil de Guaranho, estão os elementos simbólicos da identificação com um tipo de discurso que se materializou em uma tragédia. Guaranho assassinou a quem ele enxergou como inimigo, mas que, na verdade, era um estranho com o qual ele nunca havia tido qualquer relação.
O assassinato de Marcelo Arruda materializou o discurso do ódio que vem sendo propagado na sociedade. Foi-se a vida de um pai de família, e desgraçou-se a vida de outro, que agiu motivado por intolerância política. De quebra, essa forma de fazer política, usando o discurso do ódio contra os opositores, atingiu mais uma vez a democracia.
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