O presidente Jair Bolsonaro pode ter uma série de defeitos. Alguns que até de fato acabam se voltando contra ele. Mas subestima o presidente quem acha que entre esses defeitos está falta de sensibilidade política. Aqui ninguém está falando de sensibilidade no sentido de compaixão ou qualquer sentimento próximo a isso. Mas sensibilidade no sentido de perceber o que pode lhe trazer dividendos políticos. Bolsonaro não chegou à Presidência por acaso. E, consolidado, de acordo com as pesquisas, em um segundo lugar que até agora lhe garante estar no segundo turno, de jeito nenhum pode ser considerado alguém fora do páreo para a reeleição. Ao seu estilo, ele cava o seu espaço.
Esse estilo é muito calcado na replicação de conceitos de estratégia militar na sua tática política. Especialmente os conceitos da chamada guerra híbrida. A guerra híbrida é uma estratégia na qual se usam diversos modos de combate simultaneamente. A ideia é provocar confusão, assimetria, produzir danos a partir da dúvida. No campo da comunicação, é isso o que leva ao uso sistemático de fake news, às táticas de desvio de foco. Agora, Bolsonaro começa a se valer dessas táticas para minar a vantagem que o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, tem sobre ele na corrida eleitoral. E um dos alvos principais dessa estratégia é a ex-presidente Dilma Rousseff.
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É guerra híbrida total Bolsonaro ter dito, ao visitar um polo petroquímico no Rio de Janeiro na semana passada, que Lula escolherá Dilma para ser sua ministra da Defesa caso seja eleito presidente. É evidente que Lula não vai nomear Dilma sua ministra da Defesa. Lula vem trabalhando forte no momento para limar as suas arestas à direita. A construção da aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin é algo nesse sentido. Devagar, ele começa a tentar reaproximação com o meio militar. Não iria colocar para chefiar as Forças Armadas uma ex-guerrilheira com consolidado viés de esquerda. Bolsonaro está cansado de saber que seu adversário na disputa não rasga dinheiro nem atira pedras na lua. Mas a ideia é plantar a confusão, com a ajuda do seu exército de robôs e militantes reais nas redes sociais que ajuda a espalhá-la. E plantar confusão sobre a presença ou não de Dilma pode ser uma boa tática.
A reação de Dilma nas redes sociais no fim de semana mostra que a estratégia deu algum resultado. De alguma forma, os jornais vêm reverberando que Dilma é um calo hoje nesse processo de Lula de aproximação ao centro e à direita, de pessoas que claramente trabalharam para o sucesso do seu processo de impeachment. Alckmin é um deles. O comandante do PSD, Gilberto Kassab, com quem Lula também vem conversando, outro.
A deposição de Dilma foi o início do dominó político que fortaleceu a Lava Jato, robusteceu no Congresso o Centrão, fez crescer os grupos à direita e levou à vitória de Jair Bolsonaro em 2018. Na semana passada, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, avaliou que a razão do seu impeachment não foram as tais pedaladas fiscais, foi a falta de sustentação política e a crise econômica em seu governo. Com boa parte das letras, Barroso afirmou que o que houve foi mesmo um golpe político.
É curioso que Lula e o PT peçam o tempo todo autocrítica da imprensa – que muitas vezes só estava cobrindo e acompanhando o que acontecia – mas não cobre da mesma forma autocrítica daqueles que muito mais foram autores desse processo. E Dilma fica ali como o elemento vivo a destacar tal contradição. Daí o incômodo, que Bolsonaro explora.
Depois da queda de Dilma, Lula poderia se sentir vítima do mesmo processo. Afinal, acabou condenado pela Lava Jato, impedido de disputar a última eleição presidencial e preso. Mas Lula encontrou seu caminho de redenção. Que passa pela sua nova eleição. Livre dos processos e eleito, ela pavimenta a sua trajetória.
Nesse caminho, Lula tenta valer-se da memória que a população tem dos seus dois governos. Primeiro, do caminho que construiu em 2002 com o “Lulinha Paz e Amor” aglutinando forças em torno de si. Tenta aparecer assim como alguém capaz de comandar um processo de reconstrução democrática a partir dos riscos que aponta nesse sentido na era Bolsonaro. E, talvez principalmente, como alguém capaz de retirar o país da crise econômica.
Aí, vale a memória do seu tempo no poder. E vale ao máximo tentar esconder que o começo da crise econômica deu-se com Dilma. Mais uma razão para escondê-la. Mas até os pombos da Praça dos Três Poderes sabem que foi Lula quem escolheu Dilma para sucedê-lo. E Bolsonaro fará questão de que ninguém se esqueça disso. Mesmo que escale Dilma como próxima ministra da Defesa, coisa que ela não será. Mas provocar essa confusão faz parte do jogo.