Celso Lungaretti *
Um episódio emblemático da redemocratização do Brasil, verdadeiro divisor de águas, foi a missa de sétimo dia de Vladimir Herzog, oficiada por religiosos de três confissões na Catedral da Sé, em 31 de outubro de 1975.
Geisel, que via fortemente ameaçada sua distensão política lenta, gradual e progressiva, prometeu que o ato ecumênico não seria reprimido, desde que houvesse comedimento por parte dos participantes: “Segurem seus radicais, que eu segurarei os meus!”
Isto não significava apenas colocar focinheiras nos agentes da repressão que obedeciam estritamente à cadeia de comando; ele assumiu, na prática, o compromisso de evitar as provocações daqueles que, nas sombras, tentavam criar ou propiciar incidentes capazes de frustrar a redemocratização do país (há quem afirme que a própria prisão de Herzog teve este objetivo, pois poderia ensejar manifestações estudantis em solidariedade a um dos professores mais queridos da ECA/USP).
Ele cumpriu a palavra. Então, afora o enorme congestionamento de trânsito que as autoridades causaram para atrapalhar a chegada da multidão à cerimônia, nada houve para empanar o brilho daquela altaneira manifestação de repúdio ao arbítrio. E a abertura não só continuou avançando, como ganhou impulso.
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Segurar os radicais é a postura que as autoridades governamentais e os movimentos sociais afinados com o petismo deveriam adotar neste 15 de novembro, quando descontentes com a reeleição de Dilma Rousseff e com os escândalos de corrupção prometem sair às ruas em várias cidades brasileiras.
Dificilmente tais atos de inconformismo reunirão mais de alguns milhares de manifestantes e, não havendo conflitos, sua repercussão política tende a ser pouca.
Já se ocorrer truculência policial ou enfrentamento com aloprados do petismo (como aqueles que foram dar tiros no pé diante da Editora Abril), poderá ser o estopim de uma nova temporada de protestos, do tipo da iniciada em junho/2013.
Com a diferença de que os focos, daquela vez, foram bem menos perigoso para as instituições: inicialmente as tarifas do transporte coletivo, depois as maracutaias da Copa.
Agora o que se pretende, em última análise, é colocar em xeque a permanência de Dilma Rousseff na Presidência da República.
Então, todo cuidado é pouco. Se isto virar campanha de rua, poderá crescer como bola de neve e começaremos a flertar com o pior retrocesso possível e imaginável: um novo 1964.
Olhando o quadro pragmaticamente, parece-me inevitável que as forças de direita façam alguma tentativa nesta direção. Ao governo caberá a escolha do terreno em que travará a batalha:
– se tudo fizer para evitar que o impeachment seja votado no Congresso Nacional, correrá o risco de ver seu eventual sucesso transferir a decisão para as ruas, na forma de golpe de Estado;
– se preferir encarar essa luta no parlamento, ou perderá o anel mas conservaremos os dedos, ou vai obter uma categórica confirmação do mandato de Dilma, que servirá como forte dissuasivo contra eventuais tentativas golpistas.
Aliás, vale esclarecer, a retórica petista é falaciosa ao confundir pedido de impeachment com golpismo. Trata-se, isto sim, da via constitucional para os cidadãos se livrarem de governantes que estejam descumprindo gravemente sua missão. Têm todo direito de o tentarem, desde que cumpram os requisitos legais para tanto, e o Brasil não acabará por causa disto, como não acabou quando Fernando Collor foi expelido.
Já os golpes de estado desencadeiam horrores e atrocidades em cascata, além de tornarem o país um pária entre as nações, com os enormes danos econômicos, políticos e sociais decorrentes.
* Celso Lungaretti é jornalista, blogueiro e ativista político.
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