Há algo de patético no ambiente que Lucas Neiva descreve para o acampamento dos bolsonaristas na Praça dos Cristais em frente ao QG do Exército em Brasília. As rezas para “livrar o país do comunismo”, o estranho gosto por coisas bélicas. Como há algo de patético nos vídeos de pessoas marchando desajeitadamente por aí (muito provavelmente a imensa maioria escapou de servir quando completou 18 anos). No cara que se pendurou no para-choque do caminhão. No outro que tocou fogo no próprio carro em protesto. São imagens de um perturbador mundo paralelo. A essa altura menos perturbador pelo que de fato possa representar de perigo. Mas perturbador pelo estado de desvio da realidade em que vive essa turma.
Fica claro a essa altura como cada vez mais o mundo que mantém a sanidade esforça-se para conferir ao máximo ares de normalidade àquilo que é o rito normal de qualquer democracia. Houve eleição. Um candidato venceu. Ele era oposição ao atual governo. É a alternância de poder, fato normal do jogo democrático. Não haverá reza brava, carona em para-choque de caminhão, coreografia de marchinha em frente de quartel que vá alterar isso.
Leia também
Veja o comentário em vídeo:
Na próxima semana, quando o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva desembarcar no Cairo, no Egito, para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27, o mundo que mantém a sanidade deixará claro que, para ele, já é Lula quem governa o país, e não mais Jair Bolsonaro. O esforço conjunto dos países para rapidamente reconhecer a vitória de Lula (no mesmo domingo do resultado, mais de cem países já tinham reconhecido o resultado da eleição) já era parte disso. Lula deverá se encontrar no Egito com líderes de outros países, como Joe Biden, dos Estados Unidos, e Emannuel Macron, da França. Uma importante reunião mundial da qual Bolsonaro provavelmente não irá comparecer.
Enquanto Bolsonaro recolhe-se a um mutismo de menino birrento que não aceitou a derrota, Lula circula nesta terça-feira (8) por Brasília. Terá encontros com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. Com o presidente do Tribunal Siuperior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Negocia mudanças na proposta de orçamento para o ano que vem. Até mesmo a possibilidade de aprovação de uma proposta de emenda constitucional se discute. Ou seja, já é o novo governo eleito quem dá as cartas do jogo político no Brasil, internamente e externamente.
PublicidadeO que os patéticos acampamentos bolsonaristas revelam, no entanto, é que, de fato, Lula precisará lidar com uma realidade nova da qual não estava acostumado. Das outras vezes em que governou, seu principal antagonista, o PSDB, não tinha militância. Agora, haverá uma militância estridente a lhe incomodar o tempo todo. Talvez uma boa ideia seria até Lula buscar se aconselhar com o próprio PSDB. Os tucanos, ao contrário, quando governaram tiveram o tempo todo de lidar com a militância petista. Quantas vezes o PT e suas centrais sindicais ameaçaram os governos tucanos com greves gerais como a que os bolsonaristas tentaram na segunda-feira e gorou?
Os bolsonaristas agora aferram-se à esperança de que o tal relatório das Forças Armadas aponte para algum indício de fraude nas eleições que venha a justificar um movimento golpista. Ainda que venha a apontar algum indício, o tal relatório será confrontado com diversas outras auditorias e acompanhamentos feitos pela Justiça Eleitoral. Que já demonstrou ter todas as respostas para quaisquer questionamentos.
De novo, um caminho provável é que alguma vírgula no relatório das Forças Armadas de alguma forma abra uma brecha para novos ensaios e arreganhos. Se houver espaço, Bolsonaro avança por ele. Se não houver, recua. É uma tática que, a essa altura, o mundo político já compreendeu e aprendeu a lidar com ela. No mais, esperneia-se na Praça dos Cristais. Quem quiser, o spray de pimenta está na promoção na barraquinha bolsonarista. Aproveite.