O que é o MTST? O que esse movimento social tem a ver com o MST e com a política? Qual a sua relação com a urbanização, a industrialização e o desemprego? O que são e para que servem as barraquinhas de lona dos acampamentos e ocupações? O que se faz lá dentro? O que se conhece sobre a sua origem e a sua história de lutas, derrotas e conquistas?
Recentemente, tivemos a oportunidade de entrevistar Nascimento (2022), filha de empregada doméstica no interior de Pernambuco, que se mudou para São Paulo para tentar a oportunidade de trabalhar como doméstica e babá. Diante de muitas dificuldades, chegou a encontrar acolhimento na maior ocupação da América Latina, a “Povo Sem Medo” – Santo André (SP) e com o passar do tempo, pelo seu jeito comunicativo e dinâmico, e diante de tantas experiências, aprendizados e formação acumulados dentro da ocupação, se tornou líder do movimento no estado de São Paulo.
Bem-humorada, Nascimento (2022) dispara uma crítica aos olhares preconceituosos sobre o movimento e as ocupações e, segura de tudo o que o movimento representa, faz um convite:
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Tem várias coisas que as pessoas precisam conhecer. Parem de olhar dos ônibus e dos carros do lado de fora e ficar falando “ai que horror… barraquinho de lona…” Entre e venha saber, aqui, conhecer a história de cada barraquinho desse. Existe uma história de luta, uma história de resistência, existe uma pessoa que saiu da humilhação e está morando com a gente aqui dentro da ocupação, e que dentro da ocupação ela entendeu o que é luta de classe, que existe solidariedade, que existe o sonho. A gente não desiste de lutar por um pais justo e igualitário, onde o trabalhador de fato tenha acesso aos seus direitos, que a gente tem que arrancar na unha viu, Robson. Mas é um direito que tá na constituição e que a gente tem q fazer muita luta pra que eles cheguem pra nós mesmo. Até você se não conheceu, venha conhecer”. (Nascimento, 2022)
Após a entrevista, nos motivamos a desenvolver uma pesquisa em busca de mais informações, para conhecer e pensar sobre este movimento social, de caráter contestatório e contencioso, que empodera seus integrantes, conscientizando-os sobre os porquês da situação em que se encontram e orientando-os sobre como sair da atual situação, por meio da luta por moradia digna: um direito assegurado pela Constituição, mas que, para ser efetivado na prática, é preciso muita luta.
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Como descrito em seu perfil oficial na plataforma de mídia social digital Instagram, com mais de 147 mil seguidores, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST, apresenta-se como uma organização política, sem fins lucrativos, e como o maior movimento social urbano do Brasil, que há 24 anos luta por moradia e direitos. Como explica Nascimento (2022), a luta vai além:
É um movimento dos trabalhadores e trabalhadoras sem teto. Nós lutamos não somente nas ocupações. Vamos fazer 25 anos de MTST e a gente luta pela reforma urbana, para que terrenos abandonados sem cumprir nenhuma função social, de fato vire moradia popular. A gente luta pra além da moradia (…) por saúde, contra a reforma da previdência, a gente esteve contra o golpe da Dilma, a gente luta contra o bolsonarismo. Não somos invasores que vamos pegar a casa de ninguém. Ocupamos terrenos que estão ociosos e abandonados, quando todos precisam de creche, posto de saúde, escola de qualidade, de moradia… e no artigo 5° e 6° da Constituição diz que a gente tem direito à moradia e moradia digna. As ocupações são polo de resistência, polo de luta (…) e lá, também combatemos ao racismo, violência contra mulher (…) e não adianta ter só casa sem ter saúde, não adianta ter só casa sem ter emprego. (Nascimento, 2022)
Em outro perfil na mesma mídia, referente ao estado de São Paulo. Em sua página principal, está escrito que o movimento se faz presente há 22 anos nesta localidade e está destacado o que, certamente, identifica um dos objetivos do movimento: “É pra criar o poder popular”. A trajetória de vida da própria Nascimento (2022), nossa entrevistada, nos parece indicar um tipo de processo que fez da mesma, um exemplo vivo da criação de poder popular.
Conhecendo melhor o MTST e o contexto de suas origens
Na Cartilha do Militante, localizamos a oportunidade de conhecer mais sobre a história e a origem do movimento. O MTST surgiu do desdobramento de um outro movimento social, o MST, que havia desenvolvido a percepção de que a maioria do povo pobre vivia na cidade e não em áreas rurais e “com isto, percebeu a necessidade de ajudar os trabalhadores urbanos a se organizarem para lutar também por melhores condições de vida” (MTST, 2005).
Diante desse discernimento, na marcha anual do MST à Brasília, em 1997, este movimento decidiu liberar militantes “para criar um movimento urbano. Estes militantes começaram a estudar os problemas que os trabalhadores viviam com mais dificuldade e perceberam que, naquele momento, dois eram os mais preocupantes: Moradia e Trabalho”. (MTST, 2005).
Na busca por análises acadêmicas, chegamos à duas teses de doutorado. Na primeira, de Goulart (2011), detectamos que apesar do reconhecimento do MTST em relação à influência do MST em sua constituição enquanto movimento organizado, há divergências em duas vertentes, sobre a formação do MTST como um destacamento planejado e consensual do MST. Como ilustra a autora:
Essa relação com o MST em sua origem marcou profundamente o movimento(..)mas não é consensual, pois, como afirma Lima (2004, p.139), há uma gênese “em diferentes versões e interpretações”. A 1ª enfatiza que o surgimento do MTST ocorreu a partir de uma ação deliberada para o crescimento do MST nas cidades. A 2ª destaca a Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça, de 1997, como momento de aproximação entre o MST e os movimentos urbanos por moradia, da qual surgiram ações de ocupação de terrenos, já com formato híbrido; (Goulart, 2011, p.18)
Como em todo movimento organizado, o surgimento e a consolidação não se dão de modo instantâneo, mas durante o desenrolar de um processo, composto por momentos episódicos atrelados a contextos. Nessa discussão, Goulart (2011), sustenta uma hipótese, posiciona-se a respeito da divergência, e justifica o que, para ela significou o período de autonomização do MTST:
destacamos a presença do MTST na região de Campinas desde de 1996, quando militantes do MST auxiliaram na organização de ocupações de terrenos realizadas de maneira espontânea. É o caso da Vila San Martin, que chegou a agregar 3.500 famílias(…)a Marcha Nacional de 1997 propiciou o contato entre militantes e ativistas da base de diversas partes do estado e do país vinculados à tarefa de construção de um movimento urbano. Essa expectativa demorou a se concretizar, mas foi no município de Campinas que o MTST lançou suas bases, mais especificamente, com o desenrolar da ocupação no Parque Oziel, que batizado com o nome de um dos sem-terra assassinados no massacre em Eldorado do Carajás/PA, em 1996, paradoxalmente, inaugurou o período de autonomização do MTST. (Goulart, 2011, p.13-21)
Em relação à segunda tese, de Medeiros (2020), encontramos uma visão do Movimento dos Sem Teto conectada ao contexto social e político internacional, especialmente na América Latina. Nessa tese, Medeiros (2020) afirma que o MTST, diferente de outros movimentos por moradia em São Paulo:
surgiu como parte de uma análise consciente das transformações produzidas pela reestruturação das relações de produção sob o neoliberalismo e a necessidade de alcançar os trabalhadores e trabalhadoras dos centros urbanos que não podiam ser disputados pelas formas tradicionais de organização política do mundo do trabalho (os sindicatos). (Medeiros, 2020, p. 187)
Essa abordagem de Medeiros (2020) é importante e nos faz refletir sobre como contextos internacionais ou nacionais e locais influenciam no surgimento, crescimento e/ou desaparecimento de movimentos sociais. No caso do MST e do MTST, respectivamente, as formas de se contrapor aos problemas associados aos meios rurais e urbanos, ligados à moradia, urbanização, industrialização e (des)emprego, ensejaram em cada caso, condições e oportunidades específicas para o surgimento desses movimentos e suas respectivas evoluções. Vejamos:
Quando no Brasil havia ainda uma forte predominância de trabalhadores no âmbito rural, sobretudo após a saída do Estado brasileiro da posição de protagonista e negociador das exportações de produtos da agricultura, o mercado privado assumiu as rédeas. Ao passar posteriormente por grandes dificuldades, muitos vieram a falir; com isso, boa parte das terras passou a ser tomada como forma de pagamento de dívidas pelos bancos e o setor despejou centenas de milhares de trabalhadores rurais nas ruas, muitas vezes sem o mínimo de indenização, sem terras, sem teto e sem ter condições de se manter. Tal situação se constituiu num contexto favorável aos primeiros embriões a tentarem se constituir como movimentos que pudessem fazer algo pelos vulneráveis excluídos do sistema falido. Ocuparam esse espaço a Comissão Pastoral da Terra, o Incra, Federações e sindicatos de trabalhadores rurais e entre outros movimentos iniciantes, o Movimento dos Sem Terra (MST).
Sobre a questão do contexto, relativo ao MST, complementam Stédile e Fernandes (1999, apud Loera, 2009):
um dos fatores que favoreceram essa onda de ocupações encabeçadas pelo MST foi o contexto histórico de democratização do país. E podemos argumentar que, nesse contexto, o marco da Constituição de 88 foi um bom incentivo para que as ocupações acontecessem, uma vez que, desde então, as propriedades que não cumprem com sua função social podem ser desapropriadas. Stedile e Fernandes (1999, apud Loera, 2009, p.74)
Mais tarde, à medida em que o Brasil foi se tornando urbano, por um momento o mercado de trabalho e o ainda precário sistema urbano e habitacional das cidades, com seus incipientes equipamentos comunitários foram capazes suportar o crescimento. Adiante, com as cidades inchadas, sem infraestrutura adequada e à mercê da especulação imobiliária, somados aos ciclos do capitalismo que de tempos em tempos ejetavam para fora do mercado uma massa de trabalhadores, provocando o desemprego estrutural, estes foram sendo empurrados para as periferias, em muitos casos se abrigando precariamente em locais de riscos de desastres “naturais” ou formando as favelas. Até que se chega em situações em que, nem mesmo as favelas, passaram a ter mais condições de absorvê-los.
Tal situação, de modo semelhante, criou o contexto que começou a favorecer ocupações ainda desordenadas e aleatórias, de modo semelhante ao que se observou no meio rural. Esses elementos, criaram as condições de surgimento de movimentos diversos capitaneados por milícias, igrejas, políticos em geral e traficantes de olho na possibilidade de ganharem algo com a ocupação de imóveis. Em meio às desorganizações, surgiu o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, em busca de moradia e emprego, contando com a experiência, conforme já narramos, do MST.
Como ilustra Medeiros (2020), em relação ao MTST, ao longo do tempo, o aumento das adesões ao movimento e consequentemente do tamanho e quantidade de ocupações, vêm se dando em paralelo à desindustrialização do país, ao aumento do desemprego, da pobreza e das condições de vida da população brasileira e da urbanização desordenada e excludente; questões que, em parte, estão fora da esfera de atuação dos sindicatos de trabalhadores.
Finalmente, outro ponto importante a se destacar é o processo de nacionalização do MTST. Segundo Goulart (2011):
A nacionalização demorou a ser uma realidade e não foi pelas mãos do MST que ela aconteceu, mas pelo fortalecimento do MTST em São Paulo e pelo aparecimento de movimentos sem-teto, em outros estados do Brasil, com convergências sociais, políticas e ideológicas. (Goulart, 2011, p.29)
O que nos mostra que, apesar de oriundo de desdobramentos e inspirações do MST, em um dado momento o MTST criou vida própria, com características e identidades próprias e seguiu seu rumo, se consolidando em São Paulo e conectando-se a outros movimentos afins pelo Brasil, fundamentais à posterior capilaridade nacional.
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Conhecer é fundamental para quebrar preconceitos e, quem sabe, se você se identificar, apoiar o movimento.
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