Em discurso proferido no dia 5 de outubro de 1988, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, denominou o Texto Maior promulgado naquela ocasião de “Constituição cidadã”.
A Constituição de 1988 inscreve a cidadania como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso II). No parágrafo único do seu artigo primeiro, a Carta Magna afirma de maneira categórica: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
O art. 14 da Constituição define que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: a) plebiscito; b) referendo e c) iniciativa popular.
No dia 7 de setembro de 1993, por força do art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o eleitorado manteve, por intermédio de plebiscito, a República como forma de governo e o presidencialismo como sistema de governo.
Por força da Emenda Constitucional n. 111, de 2021, foi acrescentado o parágrafo 12 ao aludido artigo 14. Diz esse novo dispositivo: “Serão realizadas concomitantemente às eleições municipais as consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 (noventa) dias antes da data das eleições, observados os limites operacionais relativos ao número de quesitos”.
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Para dar efetividade ao comando constitucional mencionado foi organizado, sob a liderança do cearense Raimundo Feitosa, o Movimento Democracia Participativa. O objetivo imediato do movimento é criar as condições para que as consultas populares sejam realizadas, evitando que a norma constitucional se torne letra morta.
PublicidadeEntretanto, o movimento persegue objetivo mais ambicioso. “Entendemos que a melhor educação política do povo se dará por meio de seu envolvimento no debate para definição das políticas públicas, mediante a utilização das ferramentas constitucionais, tais como plebiscito, referendo e as consultas populares […] a Democracia Participativa é o processo social de caráter permanente e consciente, que possibilita a participação de todos os seguimentos da população: na elaboração e aprovação das leis e regulamentos; na definição de prioridades para as políticas públicas; no controle social dos gastos públicos; na educação para a paz; na proteção da vida e do meio ambiente; e na escolha de seus representantes com base em valores éticos e na competência para o exercício de funções públicas”.
O Movimento Democracia Participativa busca, de forma ousada e meritória, contribuir decisivamente para a conscientização, organização e mobilização dos interesses populares no Brasil. Esse é o caminho para a realização das profundas transformações na realidade brasileira rumo à construção de uma sociedade democrática, sustentável, justa e solidária. Tenho afirmado que não serão heróis, mitos ou salvadores da Pátria os verdadeiros responsáveis pelas necessárias mudanças de rumos socioeconômicos no Brasil.
Em seu site na internet, o movimento ressalta que a Resolução TSE n. 23.738, de 27 de fevereiro de 2024, dispõe expressamente sobre as consultas populares simultâneas às eleições municipais do dia 6 de outubro de 2024. Segundo o art. 113, parágrafo sexto, da aludida resolução, os painéis referentes às perguntas serão apresentados após a votação para o cargo de prefeito.
O site do movimento destaca que já ocorreu uma consulta popular no Brasil. Em 2018, no município de Petrópolis, no Rio de Janeiro, em conjunto com o primeiro turno das eleições gerais foi realizado um plebiscito sobre o uso de tração animal nos passeios turísticos por meio de charretes. A população recusou a medida. Segundo o relatório da ata geral da consulta popular, dos 243.478 eleitores aptos a votar, 184.668 (75,85%) compareceram à votação, tendo sido apurados 117.113 (68,57%) votos a favor da proibição, 53.668 (31,43%) contra, 8.155 (4,42%) votos em branco e 5.732 (3,10%) nulos.
Quais temas, assuntos ou questões podem ser levados às consultas populares? Na ausência de restrições no texto constitucional, elas devem ser consideradas da forma mais ampla possível. A única limitação está relacionada com a necessidade de serem matérias de natureza local. Portanto, os temas precisam estar inseridos no âmbito das competências municipais e distritais.
Creio que, em geral, as consultas devem determinar, com precisão, a escala de prioridades das ações do poder público no âmbito de cada município. Podemos cogitar de questionamentos acerca da preferência de gastos em equipamentos esportivos, de lazer e culturais. Pode ser objeto de consulta a utilização do espaço urbano, privilegiando ou não empreendimentos imobiliários. A prioridade na construção de escolas, postos de saúde e creches pode ser questionada. Também parecem válidas perguntas relacionadas com a transparência, controle e eficiência das despesas públicas.
Um exemplo concreto de consulta pode ser imaginado considerando a realidade do Distrito Federal. Algo nessa linha: você concorda com o pagamento de obras viárias antes do equacionamento das filas de atendimento nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), de fornecimento de remédios, de cirurgias eletivas e de vagas nas creches? Pontue-se que a grande quantidade de obras observadas no Distrito Federal convive com dramas sociais crescentes, como os apontados. No último dia 14 de abril de 2024, a imprensa revelou mais um: “DF: 41 crianças estão à espera de um leito de UTI pediátrica”.
Outra questão de suma importância diz respeito ao caráter obrigatório (ou vinculante) dos resultados das consultas em relação ao Poder Público pertinente. Não parece fazer sentido o raciocínio que transforma as consultas populares em meras pesquisas de opinião pública. Com efeito, as consultas devem ser interpretadas juridicamente sob a influência do princípio da soberania popular. Se todo poder emana do povo e esse mesmo povo é ouvido institucionalmente sobre sua escala de prioridades ou preferências, é preciso, mais do que conveniente, dar consequência prática ao resultado obtido.
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