É certo que a indicação do juiz Sérgio Moro foi uma vitória do presidente eleito. O atendimento ex-ante de uma demanda gritante da sociedade deve gerar efeitos muito positivos para o novo governo. Mesmo que a efetividade das ações propostas pelo futuro superministro não seja um sucesso retumbante de crítica, há uma boa chance de que o público venha a aplaudir de pé ao que vai assistir, como já está acontecendo.
O acirramento da polarização política que acompanhamos nessas eleições chegou a um ponto inimaginável, capaz de rechear de irracionalidade alguns discursos sobre coisas corriqueiras do dia a dia, incluindo o comportamentos privado das pessoas. Tudo para uma boa colheita de capital eleitoral.
Essa radicalização produziu narrativas quase bélicas. Quanto mais extremas fossem as posições, mais apoio impensado e automático era construído, disseminando todo tipo de conteúdo que justificasse o ódio, gerando pânico e a necessidade de “alinhamento”. O centro político, democrático, evaporou nas urnas.
O PT já vinha demonstrando se sentir acuado nos últimos tempos, especialmente diante das denúncias e julgamentos de casos de corrupção nos quais seus membros estão envolvidos. A massa de descontentes com o partido cresceu muito. Inconformados, antes “mudos”, passaram a ter voz e vez na representação desse clamor, alimentando ainda mais ressentimentos. Desgastado, o partido se entrincheirou, colocando-se mais à esquerda do que indicavam as posições usualmente adotadas pelos seus governos.
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O PSL, do presidente Bolsonaro, foi caminhando célere para o outro polo da radicalização ideológica. Qualquer coisa antes dita “de direita”, muito ou pouco, passou a não fazer mais sentido. Em termos comparativos, PSDB, DEM, PR, PPS e mesmo o fisiológico MDB, entre outros menos cotados, estão sendo escanteados como párias da vida nacional, estruturas incapazes de atender à sanha por renovação e pela substituição imediata de tudo o que nosso sistema político reproduz e representa.
Se alguns analistas não identificaram uma movimentação clara dos candidatos no segundo turno em direção a posições mais moderadas na busca por votos indecisos, especialmente por parte de Jair Bolsonaro – imagina-se que para que para não enfraquecer a forte mobilização das suas bases –, não se pode dizer que Haddad não tenha tentado construir pontes. Próximo ao pleito, entretanto, ensaiou um discurso mais radical, de capitalização da narrativa “de esquerda”, provavelmente dando a derrota como certa e já pensando em comandar a oposição com vistas a 2022.
PublicidadePT e PSL serão os maiores partidos na Câmara dos Deputados. Os papéis de protagonismo nessa disputa estão dados e não há aparentemente nenhum desejo por parte dos partidos de baixar a guarda, sequer em nome de uma mínima governabilidade. O fenômeno que fez um deles aparecer e crescer quase instantaneamente e o outro resistir a uma tempestade perfeita que poderia tê-lo aniquilado será cultivado com todo o carinho.
O PSL deve ser isso mesmo que parece representar: uma armada antipetista que faz da imagem invertida que o espelho reflete, sua razão de existir. O PT, agora mais radical, pode passar a isolar lideranças ponderadas que busquem algum diálogo com o governo. Ambos, porém, apostarão suas fichas na antiga receita de manter o inimigo por perto, coexistindo e se fortalecendo mutuamente em uma guerra controlada.
A partir de 2019, a pauta anticorrupção e anticrime organizado do ministro Moro ainda vai ser muito usada, dentro e fora do governo, para manter essa corda bem esticada. Mesmo que ele não tenha essa pretensão e nada faça nesse sentido, será muito difícil impedir a influência sedutora que a conquista fácil de poder provoca. Ao futuro ex-juiz, recomenda a prudência, caberia se proteger desse papel, que será muito mais político que candidatar-se a qualquer cargo público.
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>> Para evitar as narrativas da situação autoritária e da oposição golpista