“Hoje eu tenho no meu celular 45 grupos de Whatsapp funcionando. Todos com caminhoneiros. As outras redes sociais a gente tenta, mas caminhoneiro não é youtuber, né?”, disse Efraim Tinoco Caminhoneiro. Ele é um dos 21 profissionais de transporte que se filiaram ao PSD para disputar um cargo político na eleição deste ano.
“Se fala de tudo um pouco. E se fala muito da situação do caminhoneiro hoje; do preço de óleo diesel e do frete. Muita gente falando em parar, muita gente querendo vender o caminhão com medo de perder tudo; da situação do governo e uma boa parte se sente enganada. Tem também quem defenda o governo. Tem dia que eu nem consigo acompanhar de tanta mensagem”, acrescentou.
Esse comentário de Tinoco foi uma resposta ao ser perguntados sobre como ele e outros candidatos pretendiam mobilizar uma categoria que, apesar do alto poder de pressão econômica – observe-se o fantasma da greve 2018 que retorna a cada aumento de combustível anunciado pelo governo – poucas vezes se apresenta enquanto uma classe uníssona.
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De acordo com pesquisa divulgada em dezembro de 2021 pelo grupo Endered Brasil, especializado em gestão e pagamentos no transporte rodoviário, 66% dos entrevistados fazem uso de alguma rede social tradicional como Facebook e Instagran, enquanto 33% não aderiu a nenhuma delas. Já o Whatsapp predominou com 52% da preferência para forma de comunicação na estrada.
Os protestos do Sete de Setembro evidenciaram isso. Eles foram organizados e desfeitos pelos aplicativos de mensagem instantânea. Enquanto um grupo, em Brasília, defendia uma paralisação em coro aos atos antidemocráticos e apoio ao presidente Jair Bolsonaro, outro grupo negava qualquer movimentação de greve e endossava críticas ao governo.
O próprio presidente entrou em cena e por áudio, enviado também por Whatsapp, pediu o fim dos bloqueios
Relembre:
Números do Setor
Atualmente o Brasil registra mais de 2,2 milhões de profissionais do setor. Números da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) dão conta que a frota cadastrada nas empresas é de 1.382.651 veículos, 859.729 registrados como autônomos e 28.481 veículos de cooperativas para realizar transporte de cargas.
Esse cenário, observam especialistas políticos, não é o suficiente para decidir uma eleição presidencial, mas o poder de pressão econômica que os caminhoneiros carregam não deve ser menosprezado por nenhum candidato à Presidência da República.
Bolsonaro sabe disso, tanto é assim que o presidente tem buscado contornar crises com a mudança no comando da Petrobras, observa a cientista política do Doxa – Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública/IESP/ UERJ, Carolina Botelho.
“Há um racha e uma base que sustenta o governo sinaliza, sempre que há um problema, positivamente para estes grupos. O grupo de apoio a Bolsonaro é um grupo que está desde 2018 e ele deve acenar como tem feito com outros setores que o apoiam. Qualquer paradinha, se tiver liderança combinada, vai ser ruim para o governo. Mas no momento que ele paralisa o Bolsonaro acena rapidamente como tem feito todo mundo.”
Já para o cientista político do IPOL da Unb, Carlos Machado, o peso do voto desses dois milhões de caminhoneiros para a disputa presidencial deste ano vai depender de quão acirrada será a eleição. “Em um contexto de disputa muito polarizada isso pode ser um fiel da balança, até porque eles rodam o Brasil e tem o entorno deles, os familiares e conhecidos”.
Outro ponto observado por Machado é a dificuldade de Bolsonaro de crescer nas pesquisas de intensão de voto, inserindo-se em outros setores que fujam ao que deram apoio a sua eleição em 2018. “Para Bolsonaro esta é uma categoria que aparenta dar um apoio e diante das pesquisas de opinião ele [Bolsonaro] não pode perder ninguém da sua base de apoio. Então é um grupo que mesmo pequeno, se se afastar, compromete a chance de eleição”.
O analista observa ainda a necessidade de uma ação coordenada nos estados e chama atenção para a dispersão do grupo quanto a uma candidatura nacional como algo que pode atrapalhar o projeto de construir uma bancada de caminhoneiros.
“A dificuldade de eleger um parlamentar é alta e precisa ter um grau de coordenação muito alto. Temos os grupos de whats, mas precisa haver uma coordenação para se aproximar de um quociente eleitoral que varia nos estados”, afirmou Machado.
Caminhoneiros entre a ideologia e a economia
Pré-candidato a deputado federal por São Paulo, o caminhoneiro Wallace Landim, conhecido como Chorão, esteve recentemente reunido com o pré-candidato à presidência Ciro Gomes.
Ele também adiantou que deve ter uma agenda nas próximas semanas com o presidenciável Lula (PT).
“A gente já tem algumas linhas marcando agenda para conversar com Lula. E Moro vamos ver como vai ficar essa agenda porque ele saiu do Podemos. Mas a partir de hoje, tudo o que for falado precisará ser colocado no plano de governo”, disse.
Indagado se Bolsonaro estava fora da rodada de conversas respondeu que não, mas pontuou: “Bolsonaro não está descartado de conversa, mas a conversa com ele é cobrando”.
Em 2018 as principais lideranças caminhoneiras fizeram campanha contra o PT e a favor do hoje presidente Jair Bolsonaro. A crise no setor, que amarga queda no preço dos fretes diante da saturação do mercado, bem como o aumento dos preços dos combustíveis, levou muito dos outrora apoiadores do governo adotarem um tom de oposição. O grupo segue dividido.
Líderes da categoria ouvidos, a exemplo de Chorão, avaliam que pesa em favor de Bolsonaro as pautas de cunho mais ideológico e de tom mais conservador, ainda que persistam críticas às questões econômicas.
O cientista político Carlos Machado, complementa: “a categoria de caminhoneiros é uma categoria fortemente masculina e têm aspectos de masculinidade que são reforçados nesse contexto [das candidaturas]”.
Assim, ele chama atenção para uma disputa ideológica que ultrapassa as defesas econômicas dos principais candidatos. “Precisa-se ver o que representa socialmente esta categoria e como eles estão dispostos nas estruturas das relações econômicas da sociedade. Por mais que eles tenham uma adesão mais vinculada a direita, pelas pautas, é uma categoria de trabalhadores, e uma parcela significativa das ações que o governo tem tomado, como a política de preço dos combustíveis, afeta eles”, disse pontuando o cabo-de-guerra que se constrói em torno do setor.
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