Luís Fernando Guedes Pinto, Jean Paul Metzger e Gerd Sparovek *
Os sistemas agroalimentares têm papel fundamental em nossa sociedade. As decisões sobre seu futuro são centrais para assegurar serviços ecossistêmicos (como o abastecimento de água e a manutenção da qualidade do ar, entre outros), combater os efeitos das mudanças climáticas e garantir alimentação, saúde e o bem-estar à população mundial.
No Brasil, a Mata Atlântica, presente em 17 estados e ocupando 15% do território brasileiro, foi a base do sistema agroalimentar do país durante a maior parte da nossa história. Desde a colonização portuguesa, em 1500, seguiu-se um padrão de derrubada de florestas, exploração das terras até a exaustão de sua capacidade produtiva, seguida do abandono ou transformação em pastagens degradadas, fazendo com que o bioma se tornasse o mais devastado do país.
Embora a importância histórica da Mata Atlântica para a agropecuária seja incontestável, carecíamos de análises sobre sua atual relevância. A partir de dados dos Censos Agropecuários do IBGE, as bases de dados de uso da terra do MapBiomas e o Atlas da Agropecuária Brasileira, entre outras referências, pudemos finalmente mensurar o seu papel contemporâneo na alimentação do Brasil.
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O resultado do estudo, realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica com o apoio da Cátedra Josué de Castro, apresentado na COP27, mostra que o bioma, embora emita apenas 26% dos gases de efeito estufa (GEE) do setor agropecuário do país, é atualmente responsável pela produção de metade dos alimentos aqui consumidos. Portanto, seguindo uma tendência histórica, a Mata Atlântica permanece como uma região fundamental para a agropecuária brasileira.
Em outras palavras, a Mata Atlântica ainda é o bioma dos alimentos. Mas o que se destaca, aqui, é, principalmente, a capacidade de produção da região com menos emissões de gases de efeito estufa. Isso mostra que é imprescindível olharmos mais para a Mata Atlântica. Se o Brasil, por conta da extensão da sua cobertura florestal e da atual taxa de destruição das florestas, gerando demanda e oportunidades de sua restauração, desempenha um papel central na mitigação climática, a Mata Atlântica precisa ser protagonista desse processo. A combinação do fim do desmatamento com a restauração florestal e sistemas de produção agropecuária de baixo carbono permitem que o bioma se torne neutro em carbono no setor de uso da terra.
PublicidadeÉ algo absolutamente viável. Primeiro pelo fato de a maior parte da população do Brasil (70%) se concentrar nas áreas urbanas da Mata Atlântica, demandando, de forma crescente, serviços ecossistêmicos – e também é lá que estão os principais centros consumidores de produtos agropecuários e alimentares do Brasil. Depois, porque o bioma abrange 80% do PIB nacional, o que favorece as condições para o financiamento da restauração florestal. Além disso, as tecnologias e a oferta de serviços ligados à restauração ecológica para a Mata Atlântica estão muito avançadas, beneficiando todo o processo.
A agropecuária diversa e produtiva da Mata Atlântica pode orientar políticas públicas e novos caminhos para os setor agropecuário e de alimentação. Mas há outro desafio: a dependência em agrotóxicos. O bioma tem, sem dúvida, o potencial de se transformar numa região com um novo paradigma agroecológico e saudável, em escala e hegemônico. Para isso, é necessária a retomada e o fortalecimento de políticas norteadoras, como Lei da Mata Atlântica, a Lei da Proteção da Vegetação Nativa (também conhecido como Novo Código Florestal), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), entre outros, combinados a esforços políticos e investimentos do setor privado para a consolidação de um sistema agroalimentar sustentável.
A Mata Atlântica já é o bioma da biodiversidade, mas também precisa ser reconhecida como o bioma da comida – contribuindo para o bem-estar e a saúde de sua população e todos os seus ecossistemas.
*Luís Fernando Guedes Pinto é diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica
Jean Paul Metzger é professor do departamento de Ecologia da USP
Gerd Sparovek é coordenador do Geolab (Esalq-USP)