Vinicius do Valle *
O primeiro dia de campanha dos principais candidatos à presidência, Lula e Bolsonaro, foi de sinalizações ao eleitorado evangélico. Enquanto Bolsonaro se reuniu com fiéis e passou o dia dizendo que é o candidato dos cristãos, Lula fez um discurso chamando o atual presidente de “fariseu”, e disse ainda que “se tem alguém possuído pelo demônio, esse alguém é Bolsonaro”.
Nas últimas semanas assistimos uma ofensiva de lideranças evangélicas pregando para seus fiéis o voto em Jair Bolsonaro, com argumentos que iam desde a ideia que cristãos não deveriam votar na esquerda, até a caracterização de Bolsonaro como representante de Cristo, enquanto Lula seria um demônio. Houve até ameaças aos fiéis de uma igreja que, caso votassem em Lula, seriam impedidos de tomar a santa ceia.
Essa movimentação tem surtido efeito nas pesquisas. Ainda que elas continuem apresentando resultados oscilantes, analisando as tendências de forma agregada, Bolsonaro parece estar ganhando terreno no segmento.
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Frente a isso, Lula resolveu tomar um movimento arriscado e disputar o segmento nos seus termos. Ao chamar Bolsonaro de fariseu e dizer que ele estaria “possuído por demônios”, Lula reforça os principais argumentos dos fiéis que rejeitam o atual presidente, e também daqueles que estão cansados de irem para os cultos e ouvir discursos eleitorais.
Essa parcela de fiéis existe e não é quantitativamente desprezível. Nas conversas, esses fiéis reclamam que as igrejas estão desviando do seu foco de atuação para entrarem na política. Muitos também lembram das grosserias proferidas por Bolsonaro ao longo desses anos, bem como da atuação do presidente na fase crítica da pandemia. Por tudo isso, o associam a um falso profeta e até mesmo a um anti-cristão. O discurso de Lula dialoga justamente com esses fiéis. Busca não deixar que essas críticas sejam esmagadas pela avalanche da campanha bolsonarista. Com isso, pretende ao menos estancar a perda de votos no segmento.
Por outro lado, ao entrar no debate religioso, Lula entra em campo adversário e instala uma competição entre “quem é mais religioso”. Acontece que, nesse quesito, o time de Bolsonaro é muito mais expressivo, contando com figuras que fazem parte do cotidiano evangélico, ao contrário de Lula.
Ao gastar energia na pauta religiosa, Lula traz relevância a ela e deixa de discutir a pauta econômica, justamente a que Bolsonaro vai mal. Vale lembrar que é a temática econômica que faz muitos evangélicos se manterem com Lula. Afinal, os evangélicos são o segmento religioso com maior proporção de famílias de baixa renda – ou seja, fazem parte daqueles que mais sofreram com a crise econômica do último período.
Por isso, o movimento da campanha lulista, ainda que faça sentido, é também arriscado. As próximas pesquisas dirão se o risco valeu a pena ou não.
* Vinicius do Valle é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de dez anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico, e atua na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e em outras instituições, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos, além de realizar pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).
Texto publicado originalmente em Observatório Eleitoral.
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