Chama a atenção neste momento a disparidade das impressões. O mesmo Luiz Inácio Lula da Silva que é ovacionado na COP27 e elogiado pela imprensa internacional provoca no Brasil a subida do dólar e a queda da Bolsa de Valores.
O jornal norte-americano The New York Times classificou a passagem de Lula por Sharm El-Sheick no Egito como “exuberante”. Para o Times, Lula “eletrizou o encontro” de líderes mundiais na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. O jornal argentino La Nación disse que os ativistas ambientais tiveram o “ânimo levantado” com o discurso de Lula. E a rede de TV árabe Al Jazeera destacou que Lula sinalizou um afastamento das políticas de Jair Bolsonaro, que produziu um “desmatamento desenfreado” das florestas brasileiras.
Veja o comentário em vídeo:
Enquanto Lula era elogiado e aplaudido pelo mundo por colocar, como ele disse, o “Brasil de volta” no cenário internacional, por aqui declarações também feitas pelo presidente eleito no Egito provocavam turbulências. O dólar subiu para R$ 5,46. A Bolsa abriu o dia em queda. Repetindo o que já fizera na quinta-feira passada, Lula novamente criticou o limite de gastos e sinalizou para a possibilidade de menor preocupação com a questão fiscal para promover ações na área social.
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É curiosa a disparidade entre as duas visões. Até porque, no caso brasileiro, Lula não está agora dizendo nada muito diferente do que ele já dizia durante a campanha. Sua crítica à ideia do teto de gastos já era conhecida. E o que ele negocia na prática – a PEC que autoriza o gasto social acima do limite do teto – é algo anunciado já no primeiro dia de governo.
Também não deixa de ser curioso o fato de não se ter percebido reação semelhante do mercado quando o presidente Jair Bolsonaro tornou o flerte com a irresponsabilidade fiscal marca das suas ações para tentar se reeleger. Como mostra reportagem da revista Época, nos quatro anos de seu governo, Bolsonaro furou o teto de gastos em R$ 795 bilhões nos quatro anos de seu governo.
Se Bolsonaro pode justificar o furo do teto pelas contingências emergenciais da pandemia de covid-19, Lula também pode argumentar que há uma situação de emergência ainda a ser resolvida. Primeiro, a pandemia ainda não terminou. Segundo, a fome voltou a ser um problema no país. Terceiro, a falta de previsão orçamentária na proposta deixada por Bolsonaro precisa ser resolvida.
Na avaliação de um integrante da equipe de transição, duas coisas parecem haver nessa diferença de avaliação. A primeira é certo preconceito mesmo do mercado, um ambiente majoritariamente conservador que enxerga Lula com resistência. Ainda que Lula nos seus governos nunca tenha administrado de maneira irresponsável. Mas a segunda seria um recado quanto às disputas internas na transição. Menos por conta de algum temor na prática e mais pela garantia de presença nas decisões.
A vitória de Lula seria, nessa visão, produto de uma conjunção de forças bem mais ampla que o PT. Bem mais ampla, inclusive, que suas eleições anteriores. Especialmente no segundo turno, houve a união de uma ampla frente em torno de Lula, contra Bolsonaro e em defesa da democracia. Uma frente que talvez tenha garantido a vitória a Lula. E que quer se ver representada na transição e na formulação do governo.
E que compete ali com outros grupos na busca de espaço. Da mesma forma, há reclamações quanto a uma representação talvez mais baixa que o desejável de mulheres, de negros, de outras minorias.
No fundo, a velha queda de braço por poder e representatividade. Que interessa muito mais a nós e muito menos ao planeta. Lá fora, Lula é interpretado como a volta do país à agenda dos grandes temas, principalmente os ambientais. Aqui, ficamos nas nossas querelas.