O papel da juventude brasileira, em termos numéricos, sempre foi tímido nos processos eleitorais brasileiros. Mesmo em tempos recentes, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que apenas cerca de 10% dos cerca de 4 milhões de jovens de 15 a 17 anos estão aptos a votar em 2022 já cadastraram seus títulos de eleitor. Apesar de representar um eleitorado reduzido, pode se tratar de um fator determinante para o resultado das eleições, conforme explicam os cientistas políticos André Pereira César, analista da Hold Assessoria Legislativa, e Rodolfo Tamanaha, professor do Ibmec.
“Geralmente a faixa etária dos 16 aos 18 anos não é muito relevante em termos numéricos. Agora, o jovem ajuda hoje com o acesso às tecnologias, com as redes sociais, com as mobilizações em tempo real. Com isso, passam a ter uma participação mais efetiva, até mesmo assumindo o papel de influenciadores digitais e, com isso, podem ganhar votos de outros setores usando o poder de convencimento”, explica André César.
Em um momento em que os índices de intenção eleitoral entre os candidatos Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) apontam para uma aproximação, a importância desse eleitorado cresce ainda mais, tendo em vista que ambos passam a precisar de apoio de setores capazes de angariar mais votos para seu próprio lado. “Trata-se de uma força política que não pode ser desprezada, seja por Lula, por Bolsonaro, ou por uma eventual terceira via”, reforçou o analista.
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Geração decepcionada
Se historicamente o eleitorado jovem já apresenta números tímidos, em 2022 a situação piorou, resultando em uma campanha publicitária do TSE voltada especificamente para a faixa etária dos 16 aos 18 anos. O empenho em aumentar o interesse da juventude pelas eleições também foi acompanhado por diversos artistas como Anitta e Pabllo Vittar, que realizam campanhas de engajamento eleitoral em suas redes sociais e em apresentações.
Rodolfo Tamaha alerta que o recente desinteresse dos jovens com a política não ocorre por acaso. “É uma faixa etária que está formando sua consciência política em um momento conturbado. São pessoas que foram criadas acompanhando o impeachment da Dilma, os escândalos da Lava-Jato e mais recentemente as crises do governo Bolsonaro”, apontou.
Com os constantes episódios de crise política que tomaram espaço no Brasil ao longo da última década, Tamaha explica que nasce em grande parte dos jovens e adolescentes uma visão estigmatizada da política, que acabou minando seu interesse nas eleições. O fenômeno se agrava ao ocorrer em um período de enfraquecimento da pandemia, em que jovens procuram dedicar maior energia em restabelecer seus ritmos de estudos e suas conexões sociais.
Tendências eleitorais
Na competição pela juventude, André César considera que, até o momento, Lula corre na frente. “Nesse momento, essa fração da juventude com mais voz e maior penetração, que entra na casa das pessoas por meio das plataformas de comunicação, é em sua maioria contrária a Jair Bolsonaro”, relatou. A base de apoio do PT e de seus aliados já percebeu esse fenômeno, e já realiza campanhas nas redes sociais para fomentar a busca pelo título de eleitor nesse público.
André César destaca que, nas eleições de 2022, é natural que a juventude tenda a ficar do lado de Lula. “Não é necessariamente um público à favor do Lula, mas é em sua maioria anti-Bolsonaro. Na avaliação da juventude, Bolsonaro é mais uma etapa da política velha e dos conchavos. Apesar de seu discurso de 2018, ele se tornou o establishment. Nesse sentido, para o jovem, ele representa aquilo que o jovem não quer, ainda mais com a sua agenda de costumes, que cria aversão no jovem médio”, explicou.
Apesar de não ser uma figura nova na política, Lula acaba sendo visto pela juventude como o retrato do oposto do que Bolsonaro representa. “Ele aparece como uma alternativa mais progressista em comparação ao que comanda hoje, que é uma gestão mais evangélica, mais religiosa, com pautas como porte de arma, machismo e outras questões que incomodam a juventude em um momento de mudança dos tempos”.
Tamaha aponta para um outro fator em favor de Lula: a identificação com artistas e formadores de opinião nas plataformas digitais. “Influenciadores são agentes muito relevantes. A juventude assiste pouca televisão, tende a ficar nas redes sociais, e acaba sendo maior influenciada por atores, músicos e outras pessoas da área da cultura, geralmente mais simpáticos às pautas do PT”.
Exemplo disso, conforme apontou o professor, foi o festival Lollapalooza, onde artistas foram aplaudidos pelo público ao se posicionarem contrários a Bolsonaro e, no caso do cantor Pabllo Vittar, abertamente em favor de Lula. O festival chegou a ser alvo de controvérsias no TSE, que foi acionado pela assessoria jurídica do PL, partido de Bolsonaro, por considerar as manifestações artísticas como uma campanha eleitoral antecipada.
Existe ainda, porém, um fator em favor de Bolsonaro nessa faixa etária. Rodolfo Tamaha relembra que existe ainda uma parcela da juventude que tende a seguir a orientação política de seus pais, podendo acabar acatando a uma aversão de seus parentes ao petismo. Essa influência familiar pode acabar equilibrando o jogo para o candidato do PL.
Via oposta
Se entre jovens a tendência é que ganhe força a pauta progressista, André César aponta que, no eleitorado idoso, preponderam as pautas conservadoras, pendendo em favor de Bolsonaro. “É um eleitor mais conservador por natureza. A base acaba falando mais com esse eleitor mais velho. É o discurso de ‘pode ser pior, vamos ter mais quatro anos do que já temos porque não queremos uma volta do PT’”.
Assim como no caso dos jovens, o público idoso possui historicamente uma participação numérica tímida nas eleições. Por outro lado, existe uma grande parcela de eleitores em potencial, que conseguem ser explorados pela ala conservadora, que conta com maior simpatia da faixa etária e que, com a aproximação dos índices de apoio entre Lula e Bolsonaro, podem trazer um voto de minerva em favor do candidato da direita.
“Enquanto os jovens passam hoje por uma pressão natural para votar, entre os mais velhos prepondera o sentimento de desânimo. Tivemos como exemplo o caso da Fernanda Montenegro, que é uma referência cultural, falando que, mesmo sendo contra o Bolsonaro, está desanimada com as eleições e não quer votar. Eles vêem o país onde sempre viveram e sempre apostaram não indo para frente”, esclarece.
Rodolfo Tamaha acrescenta que existe o fator da lembrança da população mais velha, que acompanhou atenta as manifestações de 2013, os escândalos da Lava-Jato e as decorrentes condenações de políticos, em grande parcela do PT, levando-os a criar um sentimento de preocupação e decepção com o retorno de Lula. Isso aumenta a adesão dessa parcela ao voto em Bolsonaro.
Por outro lado, trata-se de uma parcela da população que também se lembra das recentes mudanças nos índices econômicos, e consegue lembrar com facilidade o contraste entre seu atual poder de compra e aquele que alcançava no governo Lula, podendo enxergar no candidato petista uma liderança capaz de restabelecer as condições econômicas de seu governo anterior.
Em termos de comportamento digital, Tamaha explica que, apesar da juventude ter maior capilaridade nas redes sociais, idosos engajam mais nas plataformas de troca de mensagens, como Telegram e WhatsApp. Essa diferença de comportamento pode acabar favorecendo os interesses do público mais jovem, ao se levar em consideração as mudanças que os aplicativos de mensagens instantâneas vivenciaram nos últimos meses.
“As plataformas vêm adotando uma série de acordos com o TSE para evitar a dispersão de fake news. No próprio WhatsApp, por exemplo, vemos as mudanças em algumas características para reduzir o alcance das mensagens. Apesar de esse público mais velho ter maior participação em, por exemplo, grupos do WhatsApp, esses mecanismos sutis acabam reduzindo seu impacto”, explica.