Pesquisa do Atlas da Notícia, que faz o mapeamento de veículos produtores de notícia, revela que 21,5% dos veículos jornalísticos digitais que fazem coberturas locais não tiveram nenhuma receita em 2021. Segundo o coordenador do Atlas da Notícia, Sérgio Lüdtke, 68% desses veículos faturaram até R$ 25 mil por mês em 2021 e 21,5% não tiveram receita alguma. Apenas 71,4% dos veículos jornalísticos locais são empresas legalmente constituídas.
Os dados foram divulgados nessa quinta-feira (7) durante o seminário “Caminhos para um jornalismo sustentável“, promovido pelo Congresso em Foco com apoio do Google. “Identificamos que há [nesses veículos] excesso de trabalho, salários baixos e formação deficiente dos jornalistas”, destacou Sérgio, que também é presidente do Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, editor-chefe do projeto Comprova e coordenador de cursos da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
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Ainda conforme o levantamento do Atlas da Notícia, em 40% dessas organizações, todo o trabalho é feito de forma remota. Só 25,7% têm uma sede própria, e apenas 36,8% dos gestores atuam no veículo de maneira integral.
O tema foi discutido na primeira das três mesas do seminário, “Diagnóstico do jornalismo brasileiro e suas dificuldades”, que reuniu ainda presidente da Abraji, Katia Brembatti, e o secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Brant. A mediação foi feita pelo fundador do Congresso em Foco, Sylvio Costa.
PublicidadeEm agosto o Atlas da Notícia já havia revelado que, pela primeira vez, o número de cidades brasileiras com ao menos um veículo de cobertura local superava o de municípios sem esse tipo de iniciativa. De 2022 a 2023, houve redução de 8,6% nos chamados desertos de notícias, isto é, cidades em que não existe nenhum veículo jornalístico local. Segundo a pesquisa, 51,3% dos municípios brasileiros possuem ao menos uma empresa jornalística em atividade.
Para Sérgio, o alto número de cidades sem mídia local é alarmante e vergonhoso. “É uma vergonha para uma cidade que não consegue ter um veículo jornalístico cobrindo o que acontece na sua cidade. Metade das cidades brasileiras deveria ter vergonha disso. É o que eu acho”, lamentou Sérgio Lüdtke.
Em comparação com 2019, o salto no número de cidades com veículos locais foi de quase 14 pontos percentuais. Naquele ano, apenas 37,4% dos 5.570 municípios não eram considerados desertos de notícias. Sérgio Lüdtke atribui o crescimento dos veículos jornalísticos à “expansão digital”. O presidente do Projor explica que, em relação ao último ano, surgiram mais 575 iniciativas nativas digitais e 239 rádios, entre elas radiodifusoras comunitárias que em certa medida apresentam conteúdo jornalístico.
A predominância do digital para explicar a diminuição dos desertos de notícias se associa em grande parte às novas configurações de produção e consumo de conteúdo jornalístico. Segundo a pesquisa, a maior parte dos veículos mapeados são os digitais (5.245) e as rádios (4.836), correspondendo a 70% do total das empresas na base de dados do Atlas da Notícia.
Sérgio relativiza o otimismo que a pesquisa poderia trazer. O presidente do Projor aponta algumas dificuldades no meio digital, sobretudo o de coberturas locais. No geral, as organizações são precárias e precisam de apoio externo. Por exemplo, quase metade desses veículos, 45,7%, contam apenas com uma pessoa para a produção de conteúdo. Isso passa diretamente pela falta de planejamento estratégico, algo que 28% deles nunca fizeram.
O pesquisador defende a criação de fundos de financiamentos para impulsionar veículos menores que não conseguem publicidade, a maior fonte de financiamento do setor.
“A gente sempre fala que bom jornalismo custa caro fazer. E é verdade. Mas quando a gente olha para esse número, eles estão conseguindo fazer jornalismo com poucos recursos. Então, quando a gente vai falar de fundos de financiamento, às vezes, poucos recursos já são suficientes para dar garantia de funcionamento para esses veículos”, diz Sérgio Lüdtke.
Para o presidente do Projor, o excesso de trabalho da equipe, a dependência excessiva da publicidade para financiamento e das redes sociais para audiência são fatores que impactam diretamente o jornalismo. Ele sugere quatro caminhos para o jornalismo sustentável no setor: definição de publicidade e compromissos editoriais, capacitação para gestão, diversidade de fundos de financiamento e criação de fundos públicos e privados para o jornalismo.
Assista à íntegra do seminário “Caminhos para um jornalismo sustentável”: