O conjunto de joias recebido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro sem passar pela alfândega e que foi incorporado ao acervo do ex-mandatário, em novembro do ano passado, ainda poderá ser retomado pela Receita Federal no prazo legal de cinco anos e ser vendido em leilão. Segundo o diretor de Relações Internacionais e Intersindicais do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), Dão Real Pereira dos Santos, a suposta entrada irregular das joias no país impede a sua regularização e elas podem ser alvo de operação da Receita Federal por meia década após terem ingressado no país.
“Quando o bem sai da zona primária e é introduzido de forma irregular no território nacional, esse bem não pode ser regularizado. Se esse bem não tem a comprovação da importação regular e tem elementos que mostram que não passou pela alfândega, ele está sujeito a perdimento”, afirmou Dão Real ao Congresso em Foco.
Os bens que têm o perdimento decretado passam para o patrimônio da União e estão sujeitos a três destinações: irem a leilão, serem destruídos ou serem incorporados como bem público para servirem à própria Receita ou outro órgão. Para os bens serem destinados à União em vez de serem leiloados, é preciso justificar a decisão, destacando a importância e benefício que o item poderia trazer para o interesse público.
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No caso dos presentes recebidos por Bolsonaro, os bens já estão como patrimônio da União, uma vez que estão no acervo presidencial do Palácio do Planalto. Na avaliação do auditor-fiscal, caso as joias sofram perdimento, o “destino mais natural” é irem a leilão. “Um bem de uso pessoal, tipo uma joia, não tem utilidade para exposição palácio de governo. Só teria se fosse uma joia de valor histórico, que supera o valor financeiro”, ressaltou.
Segundo o recibo dos itens entregues ao acervo, o conjunto da marca Chopard inclui uma masbaha (espécie de rosário para a religião islâmica), um relógio com pulseira em couro, um par de abotoaduras, uma caneta e um anel. “Encaminho ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica —GADH caixa contendo os seguintes itens destinados ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, destaca o recibo. Não há estimativa ou avaliação de quanto vale o conjunto.
O caso é investigado pela Receita Federal, que também apura as circunstâncias da entrada de um conjunto de joias avaliado em R$ 16,5 milhões dado pelo governo da Arábia Saudita à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O episódio também é investigado pela Polícia Federal. De acordo com a Receita, no caso do presente entregue a Bolsonaro, “o fato pode configurar em tese violação da legislação aduaneira também pelo outro viajante, por falta de declaração e recolhimento dos tributos”. “Diante dos fatos, a Receita Federal tomará as providências cabíveis no âmbito de suas competências para a esclarecimento e cumprimento da legislação aduaneira, sem prejuízo de análise e esclarecimento a respeito da destinação do bem”, afirmou a Receita em nota.
PublicidadePresentes para o governo ou para Michelle?
Sobre as joias que supostamente seriam um presente para Michelle Bolsonaro, Dão Real destaca que causa “estranheza” os bens terem chegado ao país na posse de um assessor e não por uma transportadora. “Não é obrigatório, ele mesmo [assessor] pode trazer. Mas, com a transportadora, esse bem estaria acompanhado de um conhecimento de transporte, importante especialmente se considerar o valor elevado das joias”, afirma.
O auditor-fiscal explica que caso as joias fossem um presente do governo saudita para o governo brasileiro, portanto não diretamente direcionadas à pessoa física da ex-primeira-dama, a entrada no país não seria tributada.
“Quando o bem chega amparado pelo conhecimento de transporte e vai para algum órgão, ele é entregue aos cuidados da Aduana para um desembaraço futuro. Depois da chegada, o órgão tem 90 dias para fazer um despacho de importação, onde vai declarar o bem, anexar a carta do recebimento do bem e documento que comprovem que se trata de uma doação, e não uma compra. Com isso, o desembaraço vai acontecer sem nenhum centavo de imposto para o órgão”, explica.
Como não optou por uma transportadora, o assessor que entrou no país com as joias poderia ter entregue pessoalmente o presente à Aduana e o processo correria da mesma maneira, sem nenhuma tributação sobre as joias, que passariam a pertencer à União.
No caso de presente para compor o acervo pessoal de Michelle Bolsonaro, as joias seriam tributadas como qualquer outro bem que chega ao país. Para a entrada regular no Brasil, seria preciso preencher a declaração de importação e pagar tributos como Imposto de Importação, IPI, ICMS, PIS e Cofins.
No entanto, como houve uma tentativa de ocultação das joias que foi descoberta pela ação da Receita Federal, a situação se transforma em importação irregular. Nesse caso, é preciso pagar 50% do valor do bem excedente ao limite de US$ 1.000,00 a título de tributo e mais uma multa de igual valor por não ter declarado o item. Essa multa é reduzida pela metade em caso de pagamento no prazo de até trinta dias. Por conta do valor elevado das joias, o custo total para regularizar a entrada delas no país superaria os R$ 12 milhões.
Além da multa, o assessor que entrou no país com as joias pode responder por dois crimes. O primeiro seria o ato “Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho”. Previsto no artigo 334 do Código Penal, a pena varia de três a oito anos, além de multa. O segundo seria com base na Lei Nº 8.137/90, que determina os crimes contra a ordem tributária, e que prevê multa e reclusão de dois a cinco anos.
“É importante ressaltar que esse episódio todo foi um procedimento padrão da Aduana, o colega auditor-fiscal atuou de maneira absolutamente correta e resistiu a todos os tipos de pressão. Esse episódio revela e comprova a enorme importância a prerrogativa da autonomia funcional e estabilidade do servidor público e a importância da prerrogativa da autonomia da autoridade aduaneiro, que, naquele momento, é absoluta”, conclui Dão Real.