No desfile militar na manhã desta quarta-feira (7) em Brasília, a única “autoridade”, com todas as aspas possíveis, brasileira presente, além do próprio Jair Bolsonaro, foi Luciano Hang, o “Velho da Havan”, com sua indefectível fantasia de Zé Carioca.
Se a política é muito mais feita de gestos, muito mais feita daquilo que não é dito, para além do que é dito, a ausência dos chefes dos demais poderes da República no desfile de Sete de Setembro foi algo muito eloquente. Um sinal, talvez, de que mesmo aliados políticos de Bolsonaro a essa altura, faltando somente 25 dias para o primeiro turno, começam a vê-lo não mais como “imbrochável”, como no coro que ele puxou, mas como “insubível”.
Nem mesmo o todo-poderoso líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), esteve presente ao ato. Na hora da manifestação de solidariedade, de nada parece ter adiantado entregar a Lira a chave do cofre onde estão depositados os R$ 19 bilhões do Orçamento secreto. Lira faltou. Como faltaram também o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente do Supremo Tribunal Federal (ST), Luiz Fux. Sobrou o paletó verde papagaio de Luciano Hang para posar ao lado de Bolsonaro e do constrangido presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.
Leia também
E está justamente na presença de Marcelo Rebelo de Sousa no desfile o fator que poderia ter justificado a presença dos demais chefes de poderes. O desfile de Sete de Setembro de 2022 não era somente uma manifestação militar rotineira, que se repete a cada ano. Era o ponto principal das celebrações dos 200 anos da Independência do Brasil. Não era uma data qualquer.
As autoridades refugaram o convite porque Bolsonaro resolveu transformar a celebração dos 200 anos em um ato de campanha. Um ponto que claramente ajudou a desconvidar Rodrigo Pacheco e Luiz Fux. Mas é curioso que tenha desconvidado também o pragmático Arthur Lira.
Nesse sentido, as três rodadas de pesquisas do Ipec são sintomáticas. Nas duas primeiras, Bolsonaro permaneceu estacionado em 32%. Na terceira rodada, caiu um ponto, para 31%. Luiz Inácio Lula da Silva ficou o tempo todo estacionado em 44%. Faltando menos de um mês para a eleição, esse talvez não seja um cenário dos mais animadores. E, se a política é feita de gestos, o isolamento de Bolsonaro para além do seu grupo mais fiel é sintomático.
Certamente, o Sete de Setembro dará a Bolsonaro imagens das quais tentará se valer na sua campanha. Este comentário está sendo escrito antes do ato em Copacabana. Mas é inegável que Bolsonaro reuniu um número expressivo de militantes pela manhã em Brasília. Usará essa imagem.
O que, talvez, possa lhe custar também. Pela manhã, a multidão que se reuniu estava ali para participar de um ato institucional do governo. Ao discursar logo depois, Bolsonaro pode ter cometido abuso de poder político. E já há quem questione isso. A ideia original era ter separado o desfile do ato político: o ato político começaria às 13h. Mas, como mostramos, às 13h já não havia mais quase ninguém na Esplanada dos Ministérios. Nem Bolsonaro. Esse esvaziamento do ato da tarde será também explorado pelos adversários.
Use-se a imagem da manhã ou a da tarde, porém, vai ficar como forte sugestão a ausência de outros políticos, de outras autoridades. Que Bolsonaro consegue unir multidões, já se sabia. Na verdade, é isso o que o diferencia dos adversários anteriores do PT e de Lula: Bolsonaro também tem militância. Mas se a existência de militância é característica similar a Lula e Bolsonaro, também é similar a sua limitação. Mesmo quando perdeu as eleições, Lula reunia em torno de si um percentual próximo de 30%. Curiosamente, é nesse patamar que se encontra agora Bolsonaro. O que Bolsonaro precisaria daqui até 2 de outubro era ampliar-se para além da sua militância. Algo que o isolamento político demonstrado na manhã desta quarta não ajuda.