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Fazer o bem sem olhar a quem – sobre ser voluntário em tempos de ódio, segregação e práticas de desumanização da rede mundial de computadores.
O meu trabalho é receber pedidos de deputados. “Olá Elizabeth, aqui é do gabinete do deputado. Sim, pois não?” Mas desta vez, a mensagem foi diferente: “o Deputado Leandro Grass quer te entregar o Título de Cidadão Honorário de Brasília”.
A vida pode ser mesmo surpreendente. Eu, jornalista, servidora pública, mãe, estudante, filha. Ativista nas horas vagas. Viajante quando dá. E agora, cidadã de Brasília. O título me foi entregue na sexta-feira passada (16). O nome deste título é Rodas da Paz, a ong que luta pela proteção aos usuários de bicicleta em Brasília.
Na verdade, a história não me dignifica. Apenas honra uma cidade que lutou e ainda luta pela paz no trânsito. Eu apenas fui aquela que, quando ninguém julgava que era possível mudar as coisas, eu acreditei.
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Lutei quase sozinha na Rodas Paz, lá no começo, grávida do meu segundo filho, subindo em carros de som nos passeios ciclísticos na periferia do DF, exigindo do poder público segurança para os ciclistas.
PublicidadeAs ruas são cruéis, e eu vejo o trabalho de 20 anos da Rodas da Paz até hoje sendo desafiado porque quem tem má-vontade até mesmo de frear na faixa de pedestre. Inexplicável.
Rodas da Paz
A ONG tem credibilidade, mas mudar uma cultura leva muito tempo. A ong passou por inúmeros governos, teve inúmeros voluntários, perdeu muitos ciclistas, ganhou aliados gigantes como Renata Aragão, que perdeu seu filho Raul, de 23 anos, morto num acidente na L2 Norte em 2017 e hoje é a coordenadora geral da Rodas da Paz.
Renata superou a dor da perda, e hoje ela usa a internet para fazer com que seu filho esteja presente todos os dias na vida dela. Ela nos conta como é possível fazer campanha cívica na internet:
Renata Aragão: “A rodas da paz tem campanhas permanentes como o doe Bicicleta e utiliza largamente as redes sócias, para divulgar locais de recolhimento e entrega, temos a campanha de associados, produzimos o livro como pedalar é suave, por meio de financiamentos coletivos, realizamos nossas reuniões e formação de voluntários e ainda mobilizamos a sociedade para nossas ações políticas, atos e ações necessárias por meio das redes sociais. Como não temos sede física, a internet é a nossa casa e o nosso meio de funcionar também.”
É alentador saber que a rede mundial de computador vai muito além de notícias falsas e de pornografia, ou de anúncios que não respeitam a nossa privacidade, ou de empresas que vigiam nossos passos e governos que também fazem isso.
A internet hoje é uma ferramenta para a comunicação democrática e para a ação política e/ou cidadã, com novas formas de representatividade que lançam um olhar às mulheres em necessidade, à infância desassistida, às lutas pela igualdade de gênero, ao combate à violência urbana, aos crimes de trânsito, e por aí vai. Ou seja, a internet nos ajuda, por meio da inclusão digital, a lutar por outro tipo de inclusão, que é a inclusão social, ou seja, a garantia de que os direitos individuais e coletivos estejam assegurados, como o direito a um prato de comida.
Exemplo de ação cidadã na Câmara
É isso que faz o Comitê de Cidadania contra a fome da Câmara dos Deputados, que recolhe alimentos, roupas, calçados, enfim, tenta ajudar a quem mais precisa. Nós conversamos com a presidente do comitê, Carolina Milhomen de Assis, para entender como a internet pode ser usada como uma arma do bem, e não da maneira como a vemos hoje em dia, como uma máquina de propaganda das big techs, as grandes empresas estadunidenses, em sua maioria, que operam na rede, além de ser um espaço de segregação política, racial e religiosa e de disputas eleitorais ferrenhas.
Carolina Milhomem: “A internet é fundamental para as nossas campanhas, por email e por WhatsApp. Também contamos com a publicidade que é feita pelos painéis eletrônicos espalhados pela casa e o papel de parede nos computadores. Dessa forma nós atingimos os nossos colaboradores”.
Para avançarmos ainda mais no uso da rede como uma ferramenta libertadora a serviço de quem passa fome ou vive outras formas de opressão, e a fome é apenas uma delas, a gente lembra que o Estado, entendido aqui como os governantes, tem o seu papel de promover a educação digital, como bem me lembrou o Ivo Escobar, do Blog Fluência Participativa[1]. O que Ivo diz está escrito no art. 205 da Constituição Federal[2], segundo o qual a educação será promovida e incentivada visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Ou seja, a comunicação é um viés importantíssimo na etapa de educar um povo para a cidadania, algo que o teórico e ex-professor da Universidade de Brasília Murilo Ramos[3] chama de direito de quarta geração, levando em conta que os direitos civis são de primeira; os direitos políticos de segunda e os direitos sociais, de terceira geração. Entre outros, os direitos civis são o direito à liberdade e à propriedade e à igualdade perante a lei; os direitos políticos são o voto e direitos sociais são o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde.
Qual é a receita para fazer caridade online?
Há muitos caminhos para se mostrar como se faz o bem. É quase como respirar. Cada um sabe o seu caminho. Outro dia minha querida sobrinha Júlia escreveu no grupo da família: “eu poderia estar roubando, poderia estar matando. Mas isso é apenas uma rifa para a minha formatura”. Seja uma rifa; seja uma vaquinha online, para angariar dinheiro, por exemplo ao rapaz que teve o carro danificado nos protestos recentes em Brasília e não tinha seguro, como eu vi outro dia; seja distribuir a sopa ou participar de mais um protesto ou passeio da Rodas da Paz, a ong da bicicleta, todo mundo sabe onde pode fazer a diferença e como usar a internet para viabilizar essas práticas sociais de caridade. Mas apenas os que ousam sair da rotina conformista formada pela tríade: “trabalho, Netflix ou redes sociais e cama” -, pode “experenciar” a emoção que gera fazer o bem.
Eu diria que é algo similar ao que o filósofo e guru inglês Jeff Foster define como dizer a sua verdade a alguém[4]. Diz Foster que dizer a sua verdade pode salvar a sua vida, “pode curá-lo profundamente e conectá-lo à humanidade de maneiras que você jamais imaginou”.
E a frase do dia é: Seja a luz que ilumine não apenas o seu caminho, mas o de outros. A internet não é o que é está aí. A internet é o que você faz dela.
O comentário no Papo de Futuro vai ao ar originalmente pela Rádio Câmara, às terças-feiras, às 8h, em 96,9 FM Brasília.
Acompanhe o último programa:
Como ficam as pessoas quando a Internet das Coisas chegar de vez?
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