O ambiente político continua carregado. Fascista, comunista, genocida, ladrão, corrupto, homofóbico, misógino, presidiário são algumas das caracterizações usadas pelos militantes para interagir com adversários. Política não é guerra. Não busca aniquilar inimigos. O ideal é que os navios não sejam queimados e que haja espaço para o diálogo pós-eleitoral. A política é meio e não fim. É ferramenta de construção de consensos.
Polarização sempre houve. Abolicionistas e republicanos contra a monarquia. Integralistas contra comunistas e ambos contra o Estado Novo. Carlos Lacerda e a UDN contra Vargas, JK e Jango. Arena versus MDB. PSDB e PT na Nova República. O problema é que hoje os espaços de diálogo quase inexistem. A radicalização excessiva é aguçada pela dinâmica das redes sociais e a mobilização de suas bolhas. A sensatez e o equilíbrio não têm audiência. Esquerda e direita são conceitos transformados em xingamentos recíprocos, vazios de qualquer significado substantivo.
Vamos tentar repor alguma ordem nesta discussão. As opções que fazemos em eleições carregam algum sentido ideológico. Ideologia é um conjunto de valores, princípios e doutrinas que norteiam nossa postura frente a vida e o mundo. A maioria da população não tem uma visão ideológica organizada, mas todos têm um conjunto de valores e pontos de vistas sobre os rumos desejáveis.
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Durante o século 20 havia três grandes campos ideológicos: o liberalismo, a social-democracia e o comunismo. Mas todos sofreram abalos. O liberalismo foi desnudado pela crise de 1929 e pelo recente tsunami de 2009. Foi fortemente representado pelos governos Reagan e Thatcher, dando origem ao neoliberalismo. Em grande parte, foi uma resposta ao esgotamento das possibilidades fiscais de expansão do Estado do Bem-estar Social, o que encurralou nas cordas a socialdemocracia, que também teve que mudar sua visão de Estado e incorporar a noção de responsabilidade fiscal. Há espaços de convergência entre social-liberalismo e social-democracia.
Já o comunismo caiu como “Castelo de Cartas” na dissolução da URSS e na queda do Muro de Berlim.
Portanto, não haverá, no Brasil, em 2022, nenhum embate entre capitalismo e comunismo, nenhuma guerra fria, presente apenas nas cabeças de partidos anacrônicos e pequenos de extrema-esquerda e nas fantasias dos seguidores de Olavo de Carvalho. Não há entre as principais candidaturas presidenciais ninguém que represente o conservadorismo clássico de Edmund Burke e Roger Scruton, o liberalismo de Friedrich Hayek e Milton Friedman, o fascismo de Mussolini ou a herança de Marx e Lênin.
Haverá um embate entre o chamado populismo autoritário iliberal e a social-democracia de vários matizes. No campo social-democrata há candidaturas menos estatistas e mais pró-mercado e que carregam a noção de responsabilidade fiscal, sem esquecer as políticas sociais. Outras são mais intervencionistas e carregam uma visão reciclada do nacional-desenvolvimentismo. A dose de ortodoxia ou pragmatismo também varia.
No final e ao cabo, o importante é cobrar dos candidatos a explicitação de suas ideias e de seu programa de governo. Podemos nos xingar de comunistas e fascistas, sem acrescentar uma linha de avanço na história brasileira. Inversamente, podemos transformar as eleições no nascedouro de um novo Brasil. A escolha é nossa.
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