Sylvio Costa e Maurício Ferro, do Correio Sabiá*
Acesso obtido pela reportagem a postagens de um grupo do WhatsApp do interior de Goiás mostra o tipo de conteúdo em circulação entre seguidores do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante estas eleições.
Ontem (sábado, 1º), véspera do pleito, foi usado o vídeo de um bate-boca ocorrido entre dois senadores em maio de 2017, para produzir o seguinte post:
A confusão ocorreu num encontro para discutir a reforma trabalhista e envolveu o atual senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o ex-senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), que encerrou o mandato em 31 de janeiro de 2019.
Trata-se, portanto, de peça de ficção, atribuída à candidata a deputada federal por Goiás, Eliane Martins, da Democracia Cristã (DC). Mas a mensagem diz que o conteúdo “precisa viralizar”, algo típico de notícias propositalmente falsas.
Intitulado “Pecuária Nordeste Goiano”, o grupo tem mais de 180 participantes, produtores rurais de uma região que compreende toda a área da Chapada dos Veadeiros e sua rica diversidade.
Criado há mais de cinco anos, o grupo nasceu para a troca de informações sobre questões ligadas exclusivamente à agropecuária. Em 2018, com Bolsonaro candidato a presidente pela primeira vez, passou a ter finalidades políticas ligadas ao bolsonarismo. “Acho que política é hoje 80% por causa do momento histórico que vivemos”, disse a esta reportagem o administrador do grupo, Fernando Galdiano Alves, fazendeiro com domicílio eleitoral em Brasília (DF).
Os posts incluem ataques ao ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), exaltação à ditadura, manipulação de vídeos e de fotos e teorias da conspiração envolvendo autoridades. Nas últimas horas, aumentou bastante a publicação de mensagens contra o ex-presidente Lula, sempre tratado como ladrão e em certos posts associados ao diabo. Exemplo:
Também é prática comum no grupo compartilhar fake news antigas, como a versão de que Suzane von Richthofen, condenada por matar os pais, seja candidata a deputada federal pelo PT. Era mentira em 2018, quando a farsa foi montada pela primeira vez, e continua sendo mentira agora. Mas a imagem foi para o grupo e lá ficou:
Por que o administrador do grupo não age contra a publicação de conteúdo falso? Ele, que se declara bolsonarista, responde: “Às vezes, eu corrijo ou outra pessoa esclarece que não procede. Essa da Suzane aí eu lembro que alguém lá falou que não era verdade”. E por que não há obrigação de remover mensagem flagrantemente falsa, num país em que os grupos de WhatsApp têm papel fundamental na formação de opinião política? “Sou responsável pelo que publico, cada um é responsável pelo que publica. Fica ruim corrigir, chamar a atenção dos outros. São pessoas conhecidas, senhores, muitos com mais de 60 anos”.
Grupo tem compartilhamento de deepfake
Manipulações de vídeos integram o rol das “informações” postadas. Uma delas inverte os números de uma pesquisa do Ipec, dando a Bolsonaro o favoritismo apurado pelo instituto em favor de Lula. A manobra é conhecida como deepfake. O vídeo adulterado mostra os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcelos, da TV Globo, lendo os falsos índices no Jornal Nacional. A fraude, que se espalha nas redes bolsonaristas, já foi apontada pelo Estadão.
Entre as mensagens compartilhadas no grupo, há uma que defende a ditadura militar de 1964/85. O texto tem o tom alarmista encontrado em outras mensagens falsas. “Quem não quiser, delete, mas não diga que não avisei”. Depois, em letras maiúsculas, prossegue na dramatização: “Não desperdice nenhuma palavra, pois quando terminar de ler, você vai entender e repassar…” E aí segue a relacionar e justificar atos praticados pela ditadura militar. Uma amostra:
No texto, busca-se uma das associações mais recorrentes feitas pelo bolsonarismo aos seus opositores: a vinculação da esquerda à corrupção. O monitoramento que o Congresso em Foco faz da política há mais de 18 anos não confirma tal tese. O PL de Bolsonaro, por exemplo, é o partido com mais parlamentares às voltas com problemas judiciais. O texto também repisa na tecla do anticomunismo, assacando contra os adversários políticos a suspeita de um complô comunista que não combina com a biografia nem de Lula (PT) nem do seu vice Geraldo Alckmin (PSDB).
Quem encaminhou o “textão” para o grupo foi o médico nefrologista Evandro Reis da Silva Filho, que também é um ativo produtor rural, tendo chegado a presidir a Associação dos Criadores de Gado Zebu do Planalto Central.
“Meter porrada em alguns jornalistas” seria algo digno de aprovação?, perguntamos ao médico. Resposta: “Não. Não penso em dar porrada em ninguém. Não acho que se resolve as coisas com pancada não. Acho que conversando é que se resolve. O problema é que tem jornalista também que tenha dó, né? Para fazer sucesso, não quer saber como o outro vai ficar, né?” Em que sentido, Dr. Evandro? “Menosprezando as pessoas, uma coisa que ele multiplica por dez para dar mais leitores… isso que eu acho que é errado”.
Segundo o médico, há uma dificuldade hoje em se determinar o que é verdadeiro ou falso em boa parte por responsabilidade da mídia, que deixou a imparcialidade de lado para combater Bolsonaro. Concorda com a tese central do texto de que a vitória de Lula representa a entrega do país ao comunismo. A mensagem por ele compartilhada atribui incorretamente a pobreza de países africanos a regimes políticos de esquerda. E chega a dizer: “Não podemos medir esforços para EXTIRPAR essa desgraça”. Para o nefrologista, é real o risco comunista iminente: “Se o Lula ganhar, não vai ser como a Venezuela, porque nós somos um país continental. Mas vai ter várias regiões em que isso vai ser implantado goela abaixo”.
Discordância ele manifesta em relação às práticas da ditadura de torturar e matar opositores. Fala que também não endossa o AI-5, o mais violento ato institucional imposto pelo regime militar. Em seguida, acrescenta: “O presidente do TSE é pior que o AI-5. Então acho ridículo também”.
Como identificar fake news nas redes sociais
Embora os assuntos possam ser diferentes, as mensagens falsas contém aspectos em comum. Por isso, para identificar fake news no WhatsApp, o leitor deve estar atento a algumas dessas semelhanças.
Conteúdo alarmante
É comum que as notícias falsas sejam sensacionalistas e procurem mostrar, por exemplo, alguma teoria da conspiração.
Caixa alta
Também é possível suspeitar da veracidade da informação contida na mensagem a partir da grafia desse tipo de conteúdo. Parte desse “sensacionalismo” das mensagens falsas está em letras grafadas em caixa alta ou negrito. É um material concebido para chamar sua atenção.
“Não sabemos se é verdade”
Muitas vezes o conteúdo falso se apresenta com presunção de ingenuidade. Ao receber materiais assim, é possível que você se depare com frases de introdução que digam “não sabemos se é verdade” ou “ainda não foi divulgada a confirmação”. Logo em seguida, o material tenta expor argumentos (falsos) que levem à comprovação da tese inicial.
Pedidos de compartilhamento
Em geral, conteúdos desse tipo também carregam pedidos de compartilhamento para que os usuários disseminem o material em suas redes. Assim, mais gente poderá “saber a verdade”, como dizem as mensagens enganosas.
Por esses motivos, antes de divulgar algum conteúdo, cheque a veracidade da informação. Veja se já foi publicado em algum veículo confiável de imprensa.
Lembre-se: não é porque você recebeu o conteúdo de alguém em quem você confia (como mãe, pai, amigo, irmão, etc.) que esse conteúdo é realmente verdadeiro. Essas pessoas podem ter sido enganadas também.
As fake news chegam às pessoas, na maioria das vezes, por meio daquelas pessoas nas quais elas mais confiam, num efeito de boca a boca. Para quebrar esse efeito, é necessário adotar o exercício de sempre desconfiar e checar as informações, não importa quem tenha sido o remetente.
* Esta reportagem é produto de uma parceria feita entre o Congresso em Foco e o Correio Sabiá para combater a desinformação nas redes sociais. Trata-se de um esforço conjunto que não envolve contrapartidas financeiras para nenhuma das partes. Os leitores que gostarem do nosso trabalho ficam convidados a contribuir com qualquer valor para as campanhas de crowdfunding das duas organizações e assim fortalecer o jornalismo independente. Eis os links: