Junto à foto do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels, um usuário anuncia que pagará com recursos próprios, em criptomoeda, a criação de conteúdo eleitoral em favor de Jair Bolsonaro que viralizar na internet. O anúncio vem acompanhado de instruções para fazer com que o conteúdo viralize, bem como do endereço de uma carteira de bitcoin para quem quiser doar para a campanha de fake news e uma orientação clara: o criador não precisa acreditar no que diz.
O anúncio foi veiculado no site 1500chan, o mais ativo imageboard brasileiro. Esse tipo de plataforma, também chamado pelos usuários de chan, consiste em um fórum anônimo, em que internautas se comunicam sem qualquer tipo de identificação, não havendo distinção entre eles. Ataques a movimentos sociais, propaganda de extrema-direita, divulgação de conteúdo declaradamente racista e antissemita, bem como teorias de conspiração ocupam o topo das abas políticas desses sites.
No 1500chan, o apoio a Jair Bolsonaro é absoluto. O anúncio para a produção de desinformação a favor do presidente não é único. Em outra publicação, o usuário sugere “fazer a esquerda sangrar”, e propõe montar uma biblioteca de material midiático para ser usado em favor do chefe de Estado, pois “a mídia de massa já mostra claramente que fará campanha contra o nosso presidente”.
Outro usuário já abre uma discussão sobre estratégias retóricas para defender Jair Bolsonaro. Sua proposta consiste em jogar na oposição a culpa pelo baixo desempenho econômico de sua gestão, em especial apontando as políticas de isolamento durante a pandemia e a oposição à PEC dos Precatórios como principais causas da crise econômica.
Na sequência, um usuário propõe uma série de medidas de como a própria plataforma consegue fortalecer a campanha de Bolsonaro. “Devemos criar um sentimento de ódio contra tudo o que o Lula representa e no mínimo a sensação de ‘o Bolsonaro está certo em alguma coisa’. É possível moldar completamente a população com propaganda online”, sugeriu.
Em outra discussão, um usuário propõe a criação de uma versão alternativa da Wikipedia para a extrema-direita, em um modelo similar ao QAnon nos Estados Unidos. As páginas desse site trariam ataques diretos a figuras públicas anti-bolsonaristas, como o ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, retratado como “um dos líderes do PCC”.
PublicidadeApesar de ser o mais ativo, o 1500chan não é o único imageboard brasileiro. Outros sites que também adotam a nomenclatura “chan” em seus endereços oferecem um formato similar. Duas outras páginas desse formato já foram derrubadas anteriormente no Brasil por conta do tipo de conteúdo veiculado: o 55chan, em 2010, e o BRchan, em 2013. Nas duas ocasiões, os usuários migraram para o site com público mais próximo, dando continuidade ao formato.
Impacto eleitoral
Segundo o cientista político André Pereira César, campanhas de produção de fake news e fóruns anônimos como o 1500chan tiveram impacto no Brasil sobre as eleições brasileiras de 2018. “Eles têm uma boa capacidade de comunicação, goste ou não deles. Além disso, as fake news difundidas por eles são fáceis, são palatáveis, e exploram com facilidade os sentimentos negativos de setores da sociedade”.
No caso de 2018, o cenário eleitoral era favorável para eles. “Tivemos toda uma série de elementos que facilitaram com que isso acontecesse: havia um pano de fundo que começa em 2013 com a questão da corrupção, da Operação Lava Jato, a queda da Dilma Rousseff, a prisão do Lula. Uma série de elementos que se somaram e que facilitaram esse trabalho”, cita.
Esse cenário, porém, pode não se repetir com a mesma intensidade em 2022, mesmo diante de campanhas elaboradas para a produção de desinformação. “A sociedade já sabe melhor como funcionam as fake news, e as receitas que funcionavam em 2018 já não se repetem com a mesma facilidade. Na época isso era uma novidade, hoje não é mais”, apontou.
Crimes eleitorais
Segundo o advogado Christian Thomas Oncken, as práticas retratadas se enquadram em ao menos seis crimes previstos no Código Eleitoral: entre eles, calúnia eleitoral, compra de votos, divulgação de fatos inverídicos e promoção da desordem para prejudicar trabalhos eleitorais. “O grande problema desses sites é que os usuários não costumam entender as consequências do que estão fazendo, e menos ainda que podem estar sendo vigiados”, apontou.
Os autores das publicações não são os únicos a responder pelos crimes citados. “Todos aqueles que angariam o conteúdo e não se adequaram à LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados] podem ser responsabilizados, inclusive grandes empresas”, apontou. No caso dos imageboards, os donos das plataformas podem responder pela publicação dos usuários ao não criar meios de denúncia e moderação de conteúdo ilegal.