João Barros *
Esta semana recebi a notícia de que um professor foi morto durante uma operação policial em uma comunidade do Rio de Janeiro. A pessoa que trazia a notícia contou também que tinha sido sua aluna. O relato foi acompanhado de profunda tristeza. Depois de contar o que havia ocorrido, a pessoa pediu licença e saiu consternada.
Essa operação policial aconteceu no contexto de busca pelos responsáveis pela morte de três médicos alguns dias antes. Eles estavam em um quiosque da Barra da Tijuca. Os médicos participavam de um congresso em um hotel de luxo na orla, em frente ao local do crime.
Ambas as mortes foram trágicas. Em ambas as situações, famílias estão chorando a ausência injustificada de pessoas queridas que tiveram as vidas interrompidas de forma tão trágica e violenta.
Ouvir o relato da morte do professor me levou a recordar um médico chamado Frantz Fanon (1925-1961). Ele é autor de um livro contundente, Os condenados da terra (1961), recebendo, inclusive, um prefácio de Martin Heidegger (1889-1976). Escrito em um contexto de movimentos de libertação de países africanos da dominação europeia, Fanon argumenta que a violência é estruturadora do mundo colonial. Não há campo neutro, ou se está na condição de colono, ou na condição de colonizado. Ao primeiro é reservado tudo o que a terra pode dar de melhor. Ele é considerado o símbolo da vida racional e moralmente boa. Expoente de um povo superior que tem a legitimidade de conquistar outras terras em nome da civilização. Por outro lado, o colonizado representa a quintessência do mal. Dele não pode vir nada de bom. É atrasado, bárbaro e merece ser sujeitado. É feio, imoral e sujo. Elemento deformador da sociedade. Ao colonizado cabe a imposição da razão, mesmo que seja pelo uso da violência.
Leia também
Para Fanon, as noções de raça e civilização terminam por legitimar a matança de todos os colonizados que não se ajustem a esse processo. O que estrutura a vida nesse mundo que convivem dois tipos tão diferentes? Fanon apresenta uma resposta: a violência. Uma violência amparada no racismo. À raça superior, tudo. À inferior, a condenação perpétua.
PublicidadeSomado a isso, Fanon alerta para os efeitos psicológicos que a violência pode ter sobre as pessoas que passam por situações críticas como as relatadas acima. A violência não fere só a vida física, ameaça de morte também a saúde mental e emocional das pessoas envolvidas.
Que Deus nos dê a sensibilidade necessária para não desvalorizarmos algumas mortes em comparação a outras, nem sobrevalorizarmos a vida de ninguém. Triste fim para ambos. Que mais e mais evangélicos sejam capazes de olhar para esses casos e rejeitar a naturalização de uma violência que nos toca a todos. Que nossa fé em Jesus Cristo não venha para reforçar esse elemento estruturador de nossa sociedade.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
* João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.