O presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, indica que há dificuldade em negociar demandas do funcionalismo público no atual governo, e que houve um desmonte nas políticas de comunicação entre servidores e a cúpula do poder Executivo em Brasília. “Havia um histórico de negociação, uma mesa permanente de negociação”, apontou Rudinei, relembrando de um dispositivo que vinha desde o primeiro mandato de Lula (2003-2006) até o governo de Michel Temer (2016-2018).
“Estas mesas de negociação foram implodidas no governo Bolsonaro, e não temos mais este canal de diálogo com o Ministério da Economia”, complementou o presidente da Fonacate .
Com isso, Rudinei acredita que há ânimo e insatisfação suficiente para que os servidores entrem em greve geral nas próximas semanas, motivados pela falta de reajuste salarial que viria desde 2017. A falta de compensação das perdas é uma razão para a manifestação ocorrer – mas Rudinei indica que a própria pandemia apresenta novos tipos de entraves para a paralisação.
Em entrevista ao Congresso em Foco, Rudinei – que na Fonacate coordena uma articulação de servidores tão variadas quando membros da fiscalização agrária, gestão pública, comércio exterior, segurança pública e diplomacia, entre outras, disse que a campanha de reajuste deve ocorrer mesmo durante crise fiscal – porque ela teria a capacidade de ajudar o dinheiro voltar a circular, por meio do servidor. O próprio presidente da Fonacate – que veio dos representantes dos auditores de controle, defende que a campanha seja uma prioridade.
A seguir, trechos da entrevista:
O que a Fonacate pretende reivindicar na campanha deste início de ano?
A campanha é, basicamente, pela reposição de perdas inflacionárias. Estamos trabalhando com os demais servidores baseado na última reposição que houve com a maior parte do funcionalismo, em janeiro de 2017. Até aqui a gente já tem um acumulado de 27,2%, e a única possibilidade que temos possível é esperando o governo dizer o que é possível. Apresentamos esse percentual e agora iremos esperar o governo.
Como justificar este reajuste no contexto atual de desajuste de contas públicas e aperto econômico?
O que temos visto são promessas reiteradas do ministro Paulo Guedes de retomada da economia – e isso não está acontecendo. Uma das razões por não estar acontecendo é que o trabalhador não tem dinheiro no bolso. Houve um ajustamento de salários, tanto no serviço público, quanto na iniciativa privada, e é o dinheiro no bolso do trabalhador que faz girar a economia, que aquece o mercado. A reposição é parte da solução, e não o aumento do problema.
Por outro lado, o que a gente viu na pandemia, em um contexto de baixo crescimento mundial, é que o andar de cima maximizou os ganhos, onde bilionários ficaram mais bilionários e os trabalhadores ficaram mais pobres. Uma forma de corrigir esta distorção que ocorreu em quase todo mundo (e no Brasil, por causa de nossa desigualdade sem par, foi talvez mais grave) é usando parte do Orçamento público para corrigir o salário dos trabalhadores deste segmento público e fazer uma revisão da reforma trabalhista, como a Espanha tem pensado.
Para vocês este reajuste entraria então em um conjunto de prioridade que o governo deveria ter, como por exemplo o combate à pandemia?
Estamos falando que, para mais de 80% do funcionalismo, são cinco anos de congelamento, e a lei complementar 173 impossibilitou reajustes que extrapolam o mandato do atual governante. E se não for agora em 2022, no mandato do atual governante, isso só poderá ser feito na lei orçamentária de 2023, para valer em 24 – e aí são sete anos de congelamento, em um momento onde a inflação superou 10% anuais, e se experimenta uma perda de poder aquisitivo de 50%. Pra nós é prioridade absoluta a recomposição.
Há possibilidade de uma greve geral no funcionalismo? O que, para a Fonacate, que levaria a esta greve?
Por um lado, há clima para greve geral. Tem um sentimento que é mais do que de insatisfação, eu diria até de indignação que cresceu da segunda metade de dezembro para cá, visivelmente. Estamos vendo que as categorias estão se mobilizando, fazendo assembleias, deliberando pela adesão ao dia 18. E o governo federal fez alguns acenos em tratar alguns segmentos do funcionalismo público, acirrando cada vez mais ainda os ânimos.
Então eu vejo que, por um lado, temos clima para intensificação – mas, por outro, não podemos desconsiderar o contexto da pandemia, do teletrabalho, e dos meses de janeiro e fevereiro, que são de férias. Além disso: como pensar que os profissionais da área de saúde, que são um grande contingente do funcionalismo, vão parar neste momento? É impossível pensar em postos de saúde e UBS parados agora. É uma situação nova que teremos de lidar com ela de alguma maneira completamente nova. Se por um lado tem clima, por outro as circunstâncias dificultam muito uma greve geral como a que foi em 2012, a maior da história.
Como tem sido a relação do funcionalismo público com o governo Bolsonaro? Tanto com o presidente quanto com seus ministros e figuras tomadoras de decisão?
Havia um histórico de negociação, uma mesa permanente de negociação, que vinham desde o primeiro governo Lula até o presidente Temer, mesas instaladas que recebiam, ouviam e acolhiam as demandas da categoria, dando respostas nem sempre satisfatórias mas pelo menos uma respostas. Estas mesas de negociação foram implodidas no governo Bolsonaro, e não temos mais este canal de diálogo com o Ministério da Economia.
A interlocução é mínima e se dá, basicamente, com as categorias que tem um grande poder de pressão, ou uma grande articulação no parlamento, como por exemplo a área de segurança pública, que tem uma bancada imensa no Congresso e por isso tem uma área de diálogo privilegiada com o governo. As demais categorias estão à deriva no processo de construção dialógica.
Esta manifestação e possível greve geral traz algum revés ou influencia na discussão da Reforma Administrativa no Congresso?
Eu acho que são temas muito distintos, que não tem relação neste momento. Até porque, quando falamos em reposição de perdas, estamos falando apenas de 10% que estão na União. Regra geral são 600 mil ativos e 600 mil aposentados. Enquanto a Reforma Administrativa vale para todo mundo, o reajuste vale apenas para este contingente de servidores federais.
São temas que eu entendo não ter relação neste momento, e por outro lado o substitutivo da PEC 32 aprovado na comissão especial [da Câmara] é tão ruim que mesmo segmentos de mercados, que defendiam a proposta, deram um passo atrás. Acho que não tem muita relação agora.
No início da semana, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), indicou que é possível que não haja aumento para mais ninguém. Isso seria possível, na visão da Fonacate? E seria positivo?
A gente enxerga os policiais como trabalhadores, e disputa pela reposição de perdas como os demais servidores. É válido que eles tenham esse aceno do governo – o que não é admissível é que outros 1,060 milhão de servidores sejam esquecidos. Defendemos os reajustes dos policiais, mas para os demais servidores também.
E a gente entende que tem espaço orçamentário – e foi aberto um espaço orçamentário significativo, que o governo poderia conceder um reajuste linear para todo o funcionalismo, e algum aumento diferenciado para segmentos que ele entender que deve ser privilegiados.
Essa pandemia ajudou a enxergar, entre outras coisas, o papel do SUS e a importância do servidor da Saúde. Além dessa carreira, outros setores passaram a ter sua importância reconhecida pela sociedade nesses últimos dois anos, na visão de vocês?
Possível que sim – isso será visto mais no médio e longo prazo. Vimos por exemplo que o segmento de assistência social foi super importante, e o auxílio emergencial só foi possível porque havia uma rede estruturada para levar o benefício àqueles que mais precisavam. Nas áreas fiscais, que eu conheço um pouco mais: a Receita continuou arrecadando e, recentemente, superando as metas de arrecadação. A área fiscal do governo viabilizou toda a transferência de recursos para estados e municípios poderem enfrentar a pandemia. O serviço público trabalhou como nunca nestes últimos dois anos.
Se, além do combate direto à pandemia pelo SUS, considerarmos a pesquisa, descobrimos que 95% da pesquisa no Brasil é feita por instituições públicas, e isso está mais que reconhecido. Há um esforço incrível nas universidades para se reinventar e continuar ministrando aulas à distância, recebendo novos alunos…Espero que todo esse trabalho seja reconhecido, porque o serviço público não parou, não pode parar durante a pandemia – pelo contrário, teve de se reinventar e dobrar esforços para não deixar o país afundar.