Faltando 88 dias para a implementação do 5G no Brasil, de acordo com as regras do edital do leilão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a infraestrutura necessária segue a passos de cágado. Além do baixo número de capitais com a lei das antenas atualizadas, a limpeza das faixas de 3,5 GHz, atualmente ocupada por empresas de TV por satélite, ainda não começou. A informação é do CEO da Entidade Administradora da Faixa (EAF), Leandro Guerra que diz que o o processo precisa ser iniciado até 30 de junho.
“O prazo é realmente apertado, mas é exequível e é um desafio por si só. O dia 30 de junho é uma data próxima e devemos iniciar no final de maio, início de junho. A gente vai identificar se o mercado tem capacidade para fornecer em tempo , no prazo que a gente precisa, os equipamentos necessários para a gente poder começar essa execução nas 27 capitais do país”, esclarece o CEO da entidade que é constituída pela Claro, TIM e Vivo e que é responsável pela implementação dos compromissos de desocupação da faixa de 3,5 GHz previstos para o início das transmissões do 5G. “A EAF tem um papel bem definido no leilão, no edital do 5G. Nosso papel é operacionalizar essa limpeza, a desocupação dessa faixa.”
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A constituição da entidade que une operadoras que, em tese, seriam concorrentes na disputa pelo mercado do 5G é uma das novidades desta reportagem de estreia do Insider Especial, novo produto que o Congresso em Foco Insider entregará uma vez por semana aos seus assinantes. A cada edição, o Insider Especial aprofundará a abordagem sobre um tema de interesse. Na sua estreia, o tema é o 5G e os desafios da sua implementação.
Impactos macroeconômicos
Guerra explica que, atualmente, a indústria tem uma série de impactos em nível macroeconômico, como a guerra na Europa e a pandemia que impactam a cadeia de produção e que o projeto de limpeza da faixa é um desafio por si só por causa da necessidade do fornecimento de uma quantidade grande necessários para o processo.
“Nós estamos correndo para atender essa data. Eu tenho falado que ela [a data] é factível, mas tem muitos desafios, sem dúvida. Nós vamos ter um panorama mais preciso a partir da semana que vem por conta desse processo que nós estamos esperando que o mercado nos informe através da proposta de fornecimento de equipamentos e serviços”, explica.
A limpeza da faixa de 3,5 GHz compreende dois processos: a migração da TVRO, que é a TV aberta com recepção do satélite, que as pessoas recebem nas suas casas usando a parabólica e a desocupação de antenas profissionais, um projeto que envolve operadoras de satélite que usam a mesma faixa de frequência de 3,5GHz.
Publicidade“Só para ter uma ideia de números, deve ter em torno de 20 milhões de residências no Brasil que recebem o sinal com a parabólica. Desse número, praticamente metade são beneficiários do Cadastro Único (CadÚnico). A EAF tem dois papéis importantes aqui: o de comunicação para essa base de 20 milhões sobre essa mudança. O segundo é fazer a instalação gratuita do kit novo da banda KU, que é uma outra banda de frequência para a população beneficiária do CadÚnico. O papel da EAF aqui é de dupla importância”, diz Guerra sobre um dos processos que fazem parte da limpeza da faixa.
A EAF conta com um orçamento de aproximadamente R$ 6,3 bilhões para implementar todas as contrapartidas previstas no edital do 5G – o Edital nº 1/2021 da Anatel – até 2025. A entidade é fiscalizada pelo Grupo de Acompanhamento da Implantação das Soluções para os Problemas de Interferência na faixa de 3.625 a 3.700 MHz (GAISPI), da Anatel.
Lei das Antenas
Caminhando no mesmo ritmo , a atualização das Leis de Uso e Ocupação de Solo (Luos), ou lei das antenas, pelos municípios brasileiros ainda está na metade do trajeto para viabilizar a implementação do 5G no país. Há pouco mais de dois meses da data prevista no edital da Anatel, apenas 10 das 27 capitais das unidades federativas do país já têm Luos atualizadas para a instalação das antenas necessárias para a nova tecnologia.
De acordo com dados do Movimento Antene-se, criado em 2021 por entidades de diversos setores para incentivar a atualização das leis de antenas das grandes cidades brasileiras, apenas 1% dos dos 5568 municípios brasileiros – cerca de 78 – já possuem leis de antena atualizadas.
Luciano Stutz, porta-voz do Movimento Antene-se, a mais prejudicada com o atraso dos municípios na atualização da lei das antenas é a população.
“Não há estrutura suficiente”
“A população em geral usuária de 3G e 4G será prejudicada. Anteriormente, as implementações de 2G para 3G e depois para 4G foram antecipadas. Sempre houve uma corrida para acelerar os processos. Hoje, é diferente. Não há estrutura suficiente. O sinal de 5G precisa de mais antenas para estar à disposição da população. O 5G vai acontecer, mas, sem a infraestrutura necessária, haverá dificuldade para os próximos passos, prejudicando a expansão da tecnologia”, explica Stutz.
Para Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis Brasil Digital, entidade que reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade, as demais capitais que ainda não atualizaram suas leis de uso e ocupação do solo estão ainda trabalhando na adequação da legislação, “mas não na velocidade necessária para ligar o 5G.”
“A tecnologia não espera. Nós temos obrigação, nós assinamos um contrato com a Anatel que temos que ligar o 5G nas capitais até a data estabelecida. Temos que ter, até julho, uma antena para cada 100 mil habitantes, e não é a operadora que decide onde vai colocar o equipamento, são modelos científicos de topografia e engenharia que determinam qual o local exato para a instalação. Se a antena estiver em algum lugar cuja legislação atual de uso de solo não permita, nós podemos ser multados pela prefeitura”, explica Ferrari.
Por outro lado, se as operadoras não instalarem as antenas e implantarem o 5G no prazo previsto no contrato com a Anatel, elas também podem ser multadas.
“É uma escolha de Sofia. Ou a gente é multado pela prefeitura e coloca a antena onde não pode segundo a legislação de cada município, ou a gente leva multa da Anatel porque a gente não respeitou o prazo. É um processo difícil.”
Apesar do dilema representar um potencial atraso na implementação do 5G no Brasil, Ferrari afirma que as operadoras não trabalham com essa possibilidade.
“Por enquanto, não trabalhamos com a perspectiva de adiar. Óbvio que a implantação isso depende das condições legais, normativas da capital, da limpeza das faixas. Existe tanto a possibilidade de adiar ou antecipar o lançamento do 5G. Cada ganhador do leilão vai avaliar se precisa ou não”, explica o presidente da Conexis.
Ministro tem pressa
Se de um lado a infraestrutura necessária à implementação do 5G enfrenta dificuldades, para o ministro das Comunicações, Fábio Faria, é importante ser rápido para não ser atropelado pela obsolescência.
Durante a solenidade de posse de Carlos Baigorri na presidência da Anate na quinta-feira (5), em Brasília, Faria disse que tecnologias ficam ultrapassadas muito rapidamente, o que torna ainda mais importante dar celeridades aos trâmites de políticas que envolvem questões desse tipo.
“Nós falamos [nos encontros com autoridades do setor de telecomunicações] sobre tecnologia. O que é novo hoje ficará obsoleto amanhã. Se atrasarmos, ficaremos para trás e não recuperaremos mais”, disse ao fazer um elogio ao “tempo recorde” com o qual a matéria foi trabalhada pelos conselheiros da Anatel.
Graças a essa celeridade, acrescentou o ministro, “o Brasil agora é visto como um possível hub de tecnologia para o mundo”, referindo-se ao pioneirismo de várias tecnologias associadas à telefonia e internet de quinta geração.
Bilhões em negócios com 5G
A demanda por soluções 5G para as mais diversas áreas da economia tem o potencial de gerar R$ 101 bilhões pela próxima década para empresas e startups brasileiras ou instaladas no Brasil, diz estudo apresentado pelo Ministério da Economia. O relatório em que consta a projeção para o mercado de software e aplicações foi produzido pela consultoria Deloitte, com a participação também do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
O estudo também calcula que o benefício potencial da implantação do 5G para a economia brasileira pode chegar a R$ 590 bilhões pela próxima década. A conta leva em consideração aumentos de produtividade e redução de custos da chamada Indústria 4.0.
O 5G é a quinta geração de redes móveis e de internet, cuja velocidade chega a ser centenas de vezes superior à atual quarta geração. Com sua implantação, a expectativa é que sejam abertas inúmeras possibilidades em áreas como inteligência artificial, processamento de dados, realidade aumentada, logística, entre outras.