Na coluna passada discutimos o calendário eleitoral do ministro Ciro Nogueira. Segundo ele, Bolsonaro deve empatar em intenções de voto com Lula em maio, ultrapassando-o em momento posterior. Às vésperas da eleição, segundo o prócer do Centrão, a dúvida será se Bolsonaro vence no primeiro turno.
Ciro Nogueira apresentou suas previsões num momentum em que Bolsonaro ganhou pontos nas pesquisas eleitorais e aproximou-se de Lula. Contudo, vimos em seguida os resultados da pesquisa XP/Ipespe em que Bolsonaro voltou a oscilar para baixo enquanto Lula variou para cima, tudo dentro da margem de erro, ressalte-se.
Não há dúvidas que a eleição está em aberto. Ambos os candidatos têm números altos e muitas coisas se movem no cenário ou se mantêm relevantes: a força do bolsonarismo e do antipetismo, o recall de Lula, o cofre público (apesar de vazio) despejando recursos em manobras eleitoreiras, a batalha na internet, a miséria crescente, entre outras. Ainda veremos nos próximos dias se Bolsonaro continua a crescer e as previsões de Ciro Nogueira se fortalecem ou não.
Contudo, os analistas agora começam a chamar atenção para outros aspectos do processo eleitoral: a maior preocupação do momento é o estrago potencial que o bolsonarismo pode fazer na democracia brasileira. Estrago, diga-se, além da erosão lenta e ampla das instituições que já vemos hoje.
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A política lida com expectativas, sonhos, ilusões. Quando pensamos em seu sentido mais rico, lançamos sobre ela nossas visões e expectativas de um mundo melhor. Assim, frustrações ocorrem com frequência. Contudo, mudanças de governo devem ser aceitos na democracia, formam sua essência.
Gostemos ou não dos governos que tivemos desde 1988 – foram dois impeachments, fora outros traumas –, a rotina democrática se manteve, com o governo passando de mãos em mãos em respeito às eleições ou decisões legislativas (no caso do impeachment). Mais importante, a sociedade aceitou o processo como legítimo. Nunca houve contestações relevantes, movimentações nas ruas, tentativas de bloqueio diante de resultados eleitorais.
PublicidadeAs eleições de 2022, no entanto, para vários analistas podem gerar um movimento de contestação amplo, probabilidade ligada sobretudo ao bolsonarismo.
Esse movimento conta com aproximadamente 10% a 15% do eleitorado como apoiadores radicais (o bolsonarismo raiz segundo pesquisa de anos atrás do Datafolha) e outro tanto de conservadores bolsonaristas. Assim, tem volume para causar estrago no processo democrático caso não aceite resultados contrários a seus anseios.
Do que se vê, algumas recomendações e alertas são prudentes.
Primeiro, veremos provavelmente a campanha mais suja, encarniçada e cruenta desde sempre. A mentira, a criação do medo (já implementada com sucesso em 2014, vale lembrar), o incitamento ao conflito abundarão.
Segundo, aqueles que desejam a saída de Bolsonaro deverão mostrar a cara e aceitar os debates e cotoveladas da campanha. Do que já se viu nos preparativos feitos pelo presidente nos aniversários do golpe de 64 e no último 7 de setembro, sua militância real e digital atuará no modo de combate permanente.
Terceiro, para que o país se apascente o vitorioso deverá trabalhar incessantemente na reconstrução de pontes. O que exigirá inclusive que não se exceda no conflito no momento de campanha de forma a fim de evitar feridas incuráveis. Vê-se quanto será difícil conciliar os pontos segundo e terceiro, e somente muita arte política dará solução.
Por fim, e esta é uma recomendação que faço constantemente a mim mesmo, precisamos lembrar que deve haver muito poucas pessoas que realmente desejam destruir o país e os adversários. Temos profundas diferenças, mas tento acreditar constantemente que os milhões que se separaram em dois grupos na última eleição querem um melhor lugar para viver, apenas divergindo em como produzir esse melhor.
O Brasil, como sociedade, vai passar por um processo eleitoral muito difícil, que produzirá inescapavelmente dor e sofrimento. Vale lembrar, contudo, e a guerra na Ucrânia é um bom alerta, que a política é a última barreira antes da violência. Espero que o Brasil consiga passar, como sociedade, por essa provação.
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