As políticas ambientais e climáticas do Brasil, apresentadas esta semana na COP-26, ainda não estão maduras e vão na contramão das realizações do governo e do Congresso sobre o assunto. É o que diz André Lima, advogado socioambientalista, ex-secretário do Meio Ambiente do DF e coordenador do Instituto Democracia Sustentabilidade (IDS). “O Brasil ainda é um país que financia, com recursos públicos, a economia do atraso”, diz.
O especialista minimizou o anúncio das metas ambientais pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, para os próximos anos na conferência. O governo aumentou de 43% para 50% a meta de redução de emissão dos gases de efeito estufa até o ano de 2030, e prometeu zerar o índice de emissão de carbono até 2050.
“Na verdade o governo brasileiro flexibilizou as metas em 2020, permitindo que o Brasil pudesse aumentar suas emissões de gases de efeito estufa em até 400 milhões de toneladas de CO2. E agora o que ele fez com esse aumento de 43% para 50% é retomar a meta que ele tinha definido em 2015, quando assinou o Acordo de Paris, ou seja, zero a zero”, esclarece.
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Para alcançar essas metas, é necessário primeiro uma ação do governo e do Congresso Nacional para frear as ações de desmatamento ilegal que hoje predominam no Brasil. Segundo dados da MapBiomas, cerca de 99% do desmatamento hoje registrado na Amazônia são ilegais. “Número que deveria ser residual”, diz André.
O socioambientalista defende que falta vontade política para o cumprimento das agendas com as quais o governo se compromete. Ao mesmo passo em que estabelece um compromisso com a comunidade internacional, o Brasil toma ações que vão na contramão para a realização deles. É o caso da aprovação de pautas como o Licenciamento Ambiental e a Lei de Regularização Fundiária no parlamento brasileiro, além de decretos que encurtam orçamentos de órgão fiscalizadores como o Ibama e o ICMBio na esfera do Executivo.
Sobre a ausência de Bolsonaro na COP, André pontua que foi positivo para os debates em andamento do evento.
Publicidade“Ele é uma vergonha nacional. Não só em termos de meio ambiente, sustentabilidade e agenda climática. Mas ele não estando na COP é quase que uma garantia de que é possível que seja tomada alguma decisão relevante e positiva para a humanidade. A presença dele em nada acrescentaria nem para o Brasil nem para o Planeta, infelizmente. Eu não estou feliz em dizer isso, mas é a verdade”, afirmou.
Veja a entrevista com André Lima:
Congresso em Foco – A meta anunciada pelo ministro Joaquim Leite de redução da emissão de gases de efeito estufa pela metade até 2030 é realista?
A avaliação de todos os especialistas que eu ouvi é de que a verdade o governo brasileiro em 2020 flexibilizou as metas até 2030, permitindo que o Brasil pudesse aumentar suas emissões de gases de efeito estufa em até 400 milhões de toneladas de CO2, e agora o que ele fez com esse aumento de 43% para 50% é retomar a meta que ele tinha definido em 2015 quando assinou o acordo de Paris, ou seja, zero a zero. Porque ele já tinha definido uma meta em 2015, depois mudou a metodologia em 2020 que aumentou o nível de emissões e agora ele recuou de novo. Então é um falso positivo, é jogo de soma zero. O Brasil não aumentou em nada a sua meta.
De que maneira é possível alcançá-la?
Com pouco esforço o Brasil alcança [a meta]. Precisa reduzir o desmatamento na Amazônia, basicamente. Precisa fazer o que o governo brasileiro já fez em 2004, 2005 a2013. Entre 2005 e 2013 o Brasil reduziu mais de 80% o desmatamento na Amazônia. A média de desmatamento caiu de 15 mil km² para menos de 5 mil km² por ano. Foi mais de 80% de queda de desmatamento anual. O Brasil sabe como fazer. E infelizmente o que a gente tem visto nos últimos três anos é o aumento significativo dessa taxa de desmatamento anual na Amazônia e nos demais biomas, e nós já estamos ultrapassando a taxa de 10 mil km² ano, há três anos consecutivos. O que é uma vergonha. E com isso o Brasil não cumpre nem essa meta que é pouco ambiciosa.
Qual sua avaliação do Programa Nacional de Crescimento Verde, lançado às pressas pelo governo na semana passada?
Minha avaliação do programa é que ele ainda está muito verde, pouco maduro. Verde no sentido de que ele ainda está muito cru. Não tem nenhuma proposta, o que efetivamente vai investir? O Brasil ainda oferece subsídios significativos para pecuária, para veneno, para queima de combustível fóssil. Então o Brasil ainda é um país que financia, com recursos públicos a economia do atraso. Então esse plano de crescimento verde precisa ser mais explícito, mais detalhado. Onde é que vai ter investimento? O governo brasileiro está defendendo um projeto de licenciamento ambiental, que foi aprovado na Câmara, que é uma bomba de desmatamento e de poluição e degradação ambiental. Fragiliza o principal instrumento da política nacional de meio ambiente, que é o licenciamento ambiental. Que crescimento verde é esse? Na verdade é um decreto, que é uma carta de intenção, quando na verdade tudo o que o governo faz é na contramão do crescimento verde. Praticamente tudo. Licenciamento ambiental, regulamentação fundiária para quem desmata ilegalmente na Amazônia, redução de áreas de preservação permanente e mudanças no código florestal, fragilização do orçamento do Ibama e do ICMBio. Recentemente aprovamos na Comissão de Meio Ambiente do Senado um relatório avaliando a política de clima do governo brasileiro. Ali você vai ver que está sendo levado à COP uma avaliação muito negativa, não estão sendo usados nem os R$ 2 bi ou R$ 3 bi que estão lá no Fundo Amazônia. Que crescimento é esse? É só discurso, infelizmente.
No início de outubro o governo anunciou o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2030. O que seria necessário para que isso acontecesse?
Esse compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2030 é um discurso. Porque a prática é absolutamente outra. Retirando poderes do Ibama, do ICMBio, retirando orçamento, propondo projetos de lei como o licenciamento ambiental e regularização fundiária que são estímulos ao desmatamento. “daqui 10 anos a gente vai fazer alguma coisa”. Desmatamento ilegal deveria estar sendo combatido imediatamente, não em 2030. O desmatamento ilegal deveria ser residual, e hoje é 99% de todo o desmatamento. E o governo continua com o discurso, o governo extinguiu o plano de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia, que foi a ferramenta, o mecanismo que permitiu o Brasil reduzir o desmatamento ilegal na Amazônia. Já superamos a taxa que tínhamos há dez anos. Eu gostei muito de uma definição do deputado Rodrigo Agostinho: “O governo não faz a lição de casa, não estuda e quer passar na prova”.
Qual sua visão sobre a ausência de Bolsonaro no evento da COP-26? De que maneira isso impacta o Brasil?
“Ele é uma vergonha nacional. Não só em termos de meio ambiente, sustentabilidade e agenda climática. Mas ele não estando na COP é quase que uma garantia de que é possível que seja tomada alguma decisão relevante e positiva para a humanidade. A presença dele em nada acrescentaria nem para o Brasil nem para o Planeta, infelizmente. Eu não estou feliz em dizer isso, mas é a verdade.
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