Os males da polarização política em que o país mergulhou desde a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, em 2019, turbinada pela ação dos algoritmos que determinam o que os usuários lêem ou assistem, podem ser mensurados pelo crescimento vertiginoso dos atuais níveis de intolerância e violência em todas as áreas.
Por isso, preferências políticas e ideológicas à parte, chega em boa hora a iniciativa de algumas lideranças políticas de centro que se uniram numa frente para isolar os radicais de direita em 2026 e combater o que chamam de extorsão do orçamento pelos integrantes do atual Congresso através da farra das emendas parlamentares. No tempo em que legendas do centro democrático como o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, hoje em plena decadência, estavam fortes o suficiente para influir nos rumos do país seja pelo exercício efetivo do poder, seja pelos discursos e atuação parlamentar, o ambiente político, longe das radicalizações de hoje, era muito mais salutar e democrático. Antes de mais nada, vale frisar que o movimento iniciado por esse grupo de políticos centrista que conta com figuras como Tarso Genro e Cristovam Buarque (ex-ministros de Lula), José Eduardo Cardozo e Renato Janine Ribeiro (ex-ministros de Dilma), e Nelson Jobim, que atuou nos três governos, pretende combater o extremismo da extrema-direita, vale dizer, fazer um contraponto equilibrado aos desvarios absolutistas de Bolsonaro e seus apoiadores.
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Até porque o problema da polarização reside no perigoso risco da chegada ao poder de grupos extremistas de direita e extrema-direita, cuja atuação tem trazido riscos graves à democracia e seus postulados, tal como se pôde acompanhar desde o 8 de janeiro até os dias de hoje. A polarização é terreno fértil para o surgimento de líderes populistas que não respeitam as normas democráticas e a organização e simetria entre os poderes.
Por falar nisso, é falacioso o argumento de que a chegada ao poder de políticos de esquerda abriria a porta para o comunismo ou qualquer regime extremista. Isso é discurso alarmista. Já ouvimos muito isso. Lula está em seu terceiro governo e em nenhum momento soube-se de qualquer movimento golpista dele ou de seu grupo político para implantar um regime comunista no país. Mas essa lenga-lenga não para de ser repetida.
Já a extrema-direita não tem o menor respeito pelas bases do estado democrático. Atua no amplo e descarado desrespeito à legítima alternância de poder, das regras eleitorais e de submissão aos três poderes. No caso brasileiro, a situação se torna ainda mais perigosa quando se observa um conluio escancarado entre grupos armamentistas e religiosos, que formaram influentes e fortes frentes parlamentares no Congresso juntamente com poderosos empresários e gigantes do agronegócio, interessados tão somente na defesa de seus próprios interesses sem qualquer fiapo de respeito pelo bem-estar social. A farra das emendas parlamentares, abocanhadas pelos deputados e senadores para pavimentar suas influências junto a seus redutos eleitorais vulgarizou-se a ponto de já não despertar nem críticas. O próprio governo Lula entrou no jogo e acostumou-se a jogá-lo, usando a liberação das emendas como moeda de troca. Hoje, o que se vê é a manipulação grotesca e irresponsável do orçamento, que perde seu objetivo de servir aos anseios e necessidades da população. Entronizou-se uma uma espécie de parlamentarismo tacanho e opressivo, onde vale mais quem tem mais poder de barganha do que quem mais precisa dos serviços públicos.
A notícia do surgimento – ou ressurreição – de um segmento de centro, capaz de oferecer anteparo às aventuras autocráticas da extrema-direita, em apoio aberto ou sutil à esquerda democrática, traz um ótimo sinal para o atual momento político brasileiro. Embora os segmentos de centro venham desordenadamente oferecendo apoio à esquerda quando necessário sempre que confrontados com a necessidade de uma tomada de posição, estava faltando uma ação articulada e ostensiva para influir nas eleições que ocorrerão em 2026. Ela surgiu agora. A boa notícia é que o grupo, que se juntou numa frente centrista, já avisou que não pretende anunciar apoio a este ou aquele candidato à Presidência da República em 2026. Nem pretende influir nos programas dos partidos políticos existentes. Mas, sim, atuar junto ao eleitorado para a formação de um futuro Congresso mais compromissado com o interesse público do que com os interesses pessoais de seus integrantes, como se vê hoje. A ver.
Os integrantes das várias vertentes da esquerda até agora não fizeram qualquer reparo à frente que se anuncia. Talvez porque ela se apresenta como responsável e democrática, e sequer pretende no atual momento disputar qualquer cargo mas, apenas, fortalecer o equilíbrio e combater os extremismos que caracterizam a perigosa situação em que o país mergulhou. Repelir tal frente, na atuação reativa e automática de ficar contra tudo e contra todos que não comunguem com seus ideais, como tem ocorrido, só revelaria uma atitude intolerante que só tende a fortalecer o lado oposto. Política é a arena de atuação livre e desimpedida de pensamentos e ações, até as conflitantes. E no regime democrático, dentro de regras claras e definidas que não admitem qualquer tipo de golpe. Aliás, nas democracias mais sólidas, sempre existe espaço para legendas de centro, que no Brasil foram tão solapadas pela polarização que definharam a ponto de perderem até a visibilidade, como foi o caso do próprio PSDB. A atividade política não pode ser exercida no âmbito restrito de uma polarização perigosa, que permite o vislumbre da derrubada dos pressupostos democráticos para a entronização de uma autocracia. Já vivemos isso em 1964 e sabemos bem no que acarreta. Chega.
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