Se uma garrafa tem água até sua metade, ela está “meio vazia” ou “meio cheia”? Como devemos encarar esse fenômeno: com otimismo (meio cheia) ou com pessimismo (meio vazia)?
De acordo com a pesquisa global da Telefónica com os “millennials” (jovens entre 18 e 30 anos), realizada pela Pen Schoen Berland, de junho a agosto de 2014 nove em cada dez jovens brasileiros (nessa faixa etária) estavam otimistas com o futuro (satisfeitos com a vida pessoal); três em cada quatro acreditavam que melhores dias estavam por vir; 43% tinham emprego estável e 20% com empreendimento próprio; dois terços deles pensam que a educação é a chave para a formação pessoal; a escola só perde em relevância para a família (79%) e ganha da religião (41%); 55% usarão as redes sociais para documentar, denunciar e divulgar suas necessidades, deslizes e abusos de quem quer seja (veja Flávia Oliveira, O Globo 19/10/14, página 48). Frequentemente temos a impressão de que o otimismo faz parte do DNA do brasileiro.
Contrariando todos os prognósticos dos especialistas econômicos, o Datafolha sinalizou (há uma semana) uma virada na onda eleitoral e isso teria como causa o otimismo do brasileiro com o futuro da economia. Descrença, repúdio e massacre total (nas redes sociais) contra essa constatação. Mas isso já tinha ocorrido antes. Em 1998, Fernando Henrique venceu no 1º turno com 53% dos votos válidos. A inflação estava em 1,7%. Os demais indicadores econômicos daquele ano não lhe eram favoráveis: crescimento econômico zero, aumento do desemprego (taxa de 10%) e arrocho nos salários. O povo, no entanto, acreditava no seu poder de domar e controlar a inflação. Isso lhe deu a vitória (veja José Paulo Kupfer, O Globo, 24/10/14, página 17).
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Esse mesmo articulista levanta a seguinte hipótese em relação a 2014: será que o mercado de trabalho (baixa taxa de desemprego, menos de 5%) e o aumento do consumo da classe C não cumpriram eleitoralmente neste ano o mesmo papel que o controle da inflação representou em 1998? Apesar de todos os problemas, os brasileiros (pesquisas Ipsos), de 2010 a abril de 2014, sempre ocuparam o primeiro lugar no ranking dos otimistas com a economia (hoje, atrás dos indianos, os brasileiros ocupam a segunda posição, com 57% acreditando no futuro da economia). A classe C, que gastou R$ 1,2 trilhões em 2013, já representa 50% do consumo total no Brasil. Ela entrou no mercado de consumo para ficar.
Saindo do campo subjetivo do otimismo e entrando na realidade objetiva: entre 1985 e 2012, o crescimento médio do PIB brasileiro per capita foi de apenas 1,4% (Marcos Mendes, Por que o Brasil cresce pouco?, Elsevier). O melhor período foi 2004-2012 (2,8%). Em 2013, o aumento foi de 2,3%. O desempenho do Brasil de 1985 a 2010 (1,3%) é considerado fraco, diante da Colômbia (1,6%,), Peru (1,8%), Argentina (1,9%), Espanha (2,1%), Portugal (2,4%), Chile (4,2%), Índia (4,4%), Coreia do Sul (5,4%), China (8,5%) etc. Mesmo crescendo pouco, a realidade brasileira em números é a seguinte: milhões de pobres (maioria deles) beneficiados por programas assistenciais, classe C (mais 100 milhões de pessoas) consumindo mais de R$ 1 trilhão por ano, maior parte da classe média alta com bons salários e/ou ganhos (quando comparados internacionalmente) e classe rica cada vez mais rica (os 10% mais ricos no Brasil possuem agora 73% da riqueza do país; 225 mil pessoas são milionárias; 1,9 mil são bilionários –Valor, 15/10/14, página D2). Compreender o Brasil é uma tarefa bastante complicada.
Conclusão: se diante do baixo crescimento econômico os povos no mundo todo não se suicidam coletivamente nem se autodissolvem (Cristóbal Montes), com muito mais razão não farão isso nunca os brasileiros, que amam viver, sobretudo, com muito otimismo. Nem mesmo depois de uma eleição renhida, marcada por pancadarias no atacado e no varejo, o Brasil chegará ao fim. Saiu rachado da eleição? Sim, mas o Brasil sempre foi dividido (pelo apartheid socioeconômico). De qualquer modo, a oposição ficou muito mais forte. Juntar os cacos quebrados depois de uma eleição não é tarefa fácil, mas isso não significa o fim do mundo. Somente depois da redemocratização (1985), esse fenômeno já ocorreu sete vezes. O Brasil não melhorou tanto quanto gostaríamos, mas tampouco acabou. Quando nos convencemos de que nunca vamos triunfar, a consequência nefasta é a de que abandonamos qualquer tipo de esforço transformador. Pior: nem sequer mantemos nosso ânimo elevado, confiando no nosso crescimento e na nossa evolução como seres humanos. A julgar pelo que dizem, os brasileiros, por ora, seja pelo otimismo, seja pelas condições das maiorias em todas as classes sociais (pobres, classe C, classe média alta e ricos), estão longe desses males devastadores.
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