Cedo este espaço hoje para o relato do jornalista Douglas Lima, que registrou o lançamento do documentário que resgata o nascimento do movimento LGBTI+ no país. Boa leitura!
A noite de 28 de abril foi de muitas emoções para quem esteve na pré-estreia do filme “Quando Ousamos Existir – uma história do movimento LGBTI+ brasileiro”, no teatro Alcione Araújo – Biblioteca Parque Estadual, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. O longa-metragem traz a visão de ativistas das décadas de 1970 e 1980, além de mostrar a trajetória histórica do movimento LGBTI+ brasileiro.
Antes do início do filme, a noite contou com atrações musicais e a apresentação das convidadas e convidados foi feita pela drag queen histórica Suzy Brasil, que também animou o público presente no teatro lotado, com cerca de 400 pessoas.
A pré-estreia contou com a presença dos diretores do filme, Cláudio Nascimento (Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+) e Marcio Caetano (FAE- UFPel), com a apresentação da cantora Elza Ribeiro, que ressaltou o início de sua carreira e a militância que faz nos palcos e também da cantora Nana Kozak, além de ativistas da época que fizeram parte do longa, dentre eles, Yone Lindgren, Rita Colaço, Jorge Caê Rodrigues e Paulo Fatal.
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“Quando eu me deparei com este documentário, eu vi que não dava para ficar ausente por conta de toda esta história, e digo isso para ressaltar que é preciso levar adiante o que nós começamos”, disse Yone Lindgren, que é uma das lideranças históricas do movimento de lésbicas do Brasil, foi co-fundadora do Grupo Somos (Rio de Janeiro) no fim da década de 70. Atualmente é coordenadora do Movimento D’Ellas.
“Nesta noite em que a gente homenageia a nossa história, a gente precisa lembrar do nosso patrimônio material. No Rio de Janeiro, estamos enfrentando dois problemas, o acervo de Clovis Bornay, está sendo destruído no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e não temos previsão de restauração. O prédio histórico e glorioso, Cabaré Casa Nova, que abrigou shows de transformistas desde a década de 1940, está abandonado, o prédio faz parte do corredor cultural da cidade do Rio de Janeiro,” afirmou Rita Colaço, que é advogada, pesquisadora e ativista do Movimento LGBTI+ do Rio de Janeiro desde 1978 até o momento.
Publicidade“Eu estou muito emocionado. Não imaginava que estaria aqui, e que isso ia acontecer. São 44 anos de luta, que em muitas vezes foram mais bélicas. Fico feliz de ver no documentário o meu companheiro John McCarthy que faleceu e outras pessoas que já se foram e que fizeram importantes contribuições ao Movimento” disse, Jorge Caê Rodrigues, professor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), que participou em 1980 do 1º Encontro Brasileiro de Homossexuais em São Paulo e atuou no Rio de Janeiro no Grupo Somos e depois no Grupo Auê de Afirmação Homossexual, no fim da década de 70 e início dos anos 80.
“São inúmeras as fases do preconceito, por isso é necessário que tenhamos muitas formas de lutas e de resistência. Tivemos grupos, que orgulho de ter pertencido, sobre a AIDS e grupos gays que até hoje existem,” disse Paulo Fatal, que integrou o Grupo Triângulo Rosa do Rio de Janeiro e um dos primeiros ativistas a se posicionar pelo enfrentamento à epidemia de HIV nos anos de 1980. “Nós ousamos existir e somos sobreviventes e todos nós, e os jovens, devemos continuar essa luta”.
O deputado estadual Carlos Minc (PSB), por meio de vídeo, parabenizou os diretores pelo trabalho. “Não basta ajudar a fazer lei, e vocês ajudaram a construir leis decisivas no Brasil, não basta audiências e denúncias, é importantíssimo o registro da memória, e está aí o Centro de Memórias João Mascarenhas. Isso é um trabalho de profundidade. Essa é marca do amadurecimento e da consistência de vocês que constituíram o maior movimento de massas no Brasil”, afirmou ele, de Brasília.
“A luta LGBTI+ se confunde com a luta pela democracia e pela vida, e nos momentos mais árduos e mais antidemocráticos esse movimento se fez presente. É muito importante documentar, registrar, falar sobre isso, lutar pelo direito LGBTI+ é lutar por um país mais justo,” disse o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), também por vídeo em razão de viagem a Brasília.
“Esse documentário retrata a força e potência daqueles que fizeram e abriam os caminhos para que possamos estar aqui. Hoje, eu posso estar casado, adotar meus filhos, por causa dessas figuras e dessas lutas,” disso o deputado federal David Miranda (PDT-RJ), também por vídeo.
“Quando ousamos existir são as narrativas verídicas, através de muito sangue derramado nas esquinas, nas ruas, em todos os cantos deste país. Em especial, o movimento de travestis foi criado no Brasil, a partir de 1990, com uma atuação potente no fim de 1979, na capital do Espírito Santo, e depois oficializado no Rio de Janeiro, a partir dos anos 90. Estar hoje participando deste documentário é quebrar a bolha do apagamento a nós (trans e travestis).” disse Jovanna Cardoso, também por vídeo. Jovanna é a atual presidente do Fonatrans – Fórum Nacional de Pessoas Trans Negras e ela iniciou a organização do movimento de pessoas trans no fim dos anos 70.
“Aqueles de nós, que chamamos de geração 77, que fundamos o movimento durante a ditadura, com todos os medos, e preocupação de fazermos num governo repressivo, nós nos surpreendemos com todos os avanços que ocorreu no Brasil ao longo de 44 anos,” disse James Green, que destacou também os avanços do movimento durante a ditadura militar. “Estamos certos de que hoje vamos superar todos os obstáculos, todo preconceito social, acabar inclusive com esse pesadelo atual, e lutar por justiça e igualdade socioeconômico.”
James Green, autor de diversos livros, atuou como liderança do Grupo Somos de Afirmação Homossexual de São Paulo, no final da década de 1970 e início da 80. Atualmente é professor da Universidade de Brown, e participa de diversas iniciativas de defesa da democracia no Brasil.
O evento contou também com a presença da secretária estadual de Cultura, Danielle Barros, da vice-presidente do Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+ e coordenadora nacional de Lésbicas da Aliança Nacional LGBTI+, Patrícia Esteves, da ex-subsecretária estadual de Direitos Humanos, Luciana Calaça, do coordenador da Liga Transmasculina Carioca João W. Nery, Gab Van, da deputada estadual, Enfermeira Rejane (PCdoB), do superintendente estadual de Políticas para LGBTI+, Ernane Alexandre, da integrante e ex-presidente do Grupo Arco-íris de Cidadania LGBTI, Jussara Bernardes, da presidente do Conselho Estadual LGBT do Rio de Janeiro, Maria Eduarda Aguiar, dentre outros e outras representantes e personalidades que marcaram presença, como a presidenta da Associação Brasileira de Estudos da Trans Homo Cultura Jaqueline Gomes de Jesus e do cantor Beni Falcone.
Para a secretária estadual de Cultura, Danielle Barros, o retorno das atividades na biblioteca é um motivo de orgulho. “A casa é de vocês, se apropriem deste lugar, a biblioteca está aberta, e este é o local para realizarmos anúncios, reflexões, debates e construções. Aqui é a casa da cultura fluminense, e vocês LGBTI+ estão em casa”, afirmou ela.
A vice-presidente do Grupo Arco-íris de Cidadania LGBTI+ e coordenadora nacional de Lésbicas da Aliança Nacional LGBTI+, Patrícia Esteves, destacou a importância de depois de dois anos, após o início da pandemia de Covid-19, estar reunida com pessoas tão importantes na luta dos direitos LGBTI+. A ex-subsecretária estadual de Direitos Humanos Luciana Calaça ressaltou o trabalho que foi desenvolvido na pasta LGBTI+, durante a gestão e o legado que construiu junto com o apoio do Grupo Arco-íris, com Cláudio Nascimento.
“São mais de 20 anos de Grupo Arco-íris, eu em 1999 comecei sem nenhuma noção do que era o movimento homossexual brasileiro. Eu tenho um filho homossexual, foi o que ele sofreu na escola, preso numa sala de aula, sem poder ir ao recreio, porque era discriminado, chamado de ‘viado’ que me fez entrar na luta. Lutei para que isso não acontecesse mais com o meu filho e nem com as outras crianças, ” disse Jussara Bernardes, muito emocionada. Jussara Bernardes que é ex-presidente do Grupo Arco-íris.
Gab Van, coordenador da Liga Transmasculina Carioca João W. Nery, destacou a importância da luta das pessoas trans na conquista de direitos e na ocupação de espaços. A deputada estadual, Enfermeira Rejane, destacou que a história e cultura LGBTI do Rio de Janeiro, passa pela história de Cláudio Nascimento e Marcio Caetano. O superintendente estadual de Políticas para LGBTI, Ernane Alexandre, também destacou o trabalho dos diretores do longa-metragem na construção de políticas públicas efetivas para a população LGBTI do estado, e também da contribuição do longa para a academia, inspirando novas pesquisas no tema.
A presidente do Conselho Estadual LGBT do Rio de Janeiro, Maria Eduarda, ressaltou a importância da memória e da história do movimento LGBT. “O movimento LGBT sempre foi de boca-boca, e hoje estamos começando a registrar em documentários e livros e isso é muito importante. Um país que não registra a própria história, ele não vai para frente” ressaltou ela.
Para Cláudio Nascimento, diretor do filme, ao lado de Marcio Caetano, “fechar essa pré-estreia com falas dessas pessoas históricas, que representam a nossa ancestralidade, de um movimento que tem várias perspectivas, vários olhares, é muito emocionante! Temos histórias para contar! Foram pessoas de carne e osso, que fizeram valer, com suas trajetórias de lutas, o direito de existir em tempos de chumbo. E ver aqui quatro co-fundadores do movimento LGBTI+ a época da Ditadura Militar, representando diversas pessoas que estão no filme, é muito potente e mostra o quanto é importante saber que também temos as nossas ancestralidades. Está na hora de valorizarmos a nossa história na perspectiva ancestral. É fundamental reverenciar, valorizar, respeitar e cada vez mais produzir registros da nossa história e das memórias de nossos e nossas ancestrais. Produzir este documentário foi muito gratificante. Agradecemos muito a confiança e a generosidade dessas pessoas em compartilhar suas memórias conosco” ressaltou ele.
“Eu falei alguns dias atrás, com meu filho, exatamente sobre ancestralidade. Ele é um adolescente negro que vem buscando construir o seu lugar no mundo. Nós conversávamos sobre a importância da ancestralidade e de todo o processo de reconhecimento de nossas memórias naquilo que somos. E aí eu dizia que me sentia muito feliz porque vivo junto com as minhas ancestralidades. Eu consigo ver a minha ancestralidade e quando exercito a escuta, aprendo com ela” disse Marcio Caetano, também diretor do documentário. “Foi a minha ancestralidade que pavimentou o chão que eu hoje piso. Eu sou muito grato. Por isso, na feitura deste documentário buscamos agir com muita deferência a essas pessoas e tomamos todo o cuidado para valorizar e proteger os seus relatos. Produzir este documentário com o movimento social reforça que a universidade quando constrói o seu conhecimento conectado com as agendas populares de setores discriminados cumpre o seu papel efetivo no fortalecimento do Estado de direito democrático e da cidadania de pessoas em situação de subalternidade”.
Nos próximos dois meses, o documentário percorrerá algumas capitais, como Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, João Pessoa e Cuiabá para pré-estreias com pessoas convidadas e seguirá para festivais nacionais e internacionais.
O evento foi uma realização do Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+ do Rio de Janeiro e do Centro João Antônio Mascarenhas, vinculado a entidade LGBTI+, da Universidade Federal de Pelotas, da Universidade Federal do Rio Grande e da Universidade Federal do Espírito Santo. Conta com o apoio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, do Programa Estadual Rio Sem LGBTIfobia da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, da Comissão de Combate à Discriminação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), da Aliança Nacional LGBTI+ e da Coordenação Executiva da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro.
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