Em si, tramar um golpe de Estado já é um ato de extrema irresponsabilidade. Implica atentar contra as instituições, contra o Estado Democrático de Direito. Impossível que aconteça sem que haja alguma violência. É crime. Previsto inclusive no Código Penal.
Os bolsonaristas, porém, dobram o grau de irresponsabilidade como Dilma Rousseff “dobrava a meta”, A impressão que passa é que entenderam mal as ideias da aplicação das técnicas militares de guerra híbrida na política que aprenderam com Steven Bannon. Elevam a tal ponto as táticas de diversionismo que acabam eles mesmos se perdendo nelas. Literalmente, foi o que aconteceu na tarde desta quinta-feira (2), quando o senador Marcos do Val (Podemos-ES) ficou rodando a esmo pelo Senado cercado por uma multidão de jornalistas dizendo coisas desconexas.
Tramar um golpe é tramar o cometimento de um crime. Portanto, ou o plano dá certo ou a consequência é cadeia. Comparando-se com 1964, é claríssima ali a meticulosa organização das etapas, desde a infiltração do Cabo Anselmo para insuflar marinheiros de baixa patente até a articulação militar e da sociedade civil passando pelo apoio internacional (os Estados Unidos posicionaram uma frota de navios de guerra na costa brasileira para o caso de necessidade). Comparado a isso, o golpe tentado pelos bolsonaristas é um trágico circo mambembe.
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O episódio agora com Marcos do Val é como uma apresentação mal combinada de trapezistas. Um dele se lança, dá um salto mortal esperando que o outro então lhe ampare. Mas, em vez disso, o outro deixa o trapezista no ar. Ele cai, então, na rede de proteção, sobe as escadas de volta, se lança outra vez para novamente acabar solto no ar outra vez.
O que diabos Marcos do Val pretendia quando procurou a revista Veja para contar que teria sido chamado para uma conversa com o ex-presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto na qual o ex-deputado Daniel Silveira (sem partido-RJ) lhe propõe gravar ilegalmente o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) com equipamentos da Agência Brasileira de inteligência (Abin) para incriminá-lo e dar, assim, a partida a um golpe?
O que diabos ele pretendeu ao mudar de versão dizendo agora que Bolsonaro só ouviu a proposta, que seria integralmente de Daniel Silveira e que não sabe se a conversa foi no Alvorada porque não sabe onde ele estava?
PublicidadeAs duas versões jogam o cometimento de um crime no colo de Bolsonaro. As duas versões podem ser confrontadas com os demais. Daniel Silveira, agora um cidadão comum, sem mandato e preso, vai confirmar que tudo isso saiu somente da sua cabeça? E o que dirá Alexandre de Moraes? Afinal, Marcos do Val avisou tudo a ele. Avisou que Bolsonaro estava dentro da trama de um golpe, conforme a primeira versão, ou que era só Daniel Silveira, conforme a segunda?
Ou Marcos do Val está querendo nos convencer que se trata de um maluco? Não sabe o que disse, não sabe onde estava. Se o propósito era arrastar tudo para uma CPI, segue no caminho da irresponsabilidade. Como disse Ulysses Gumarães, CPI se sabe como começa e não como se termine. Houve um presidente que achou que controlava uma: Fernando Collor. Acabou sofrendo impeachment.
O Brasil vai ficando próximo do manicômio do dr. Simão Bacamarte do conto “O Alienista” de Machado de Assis. Aquele que interna metade da cidade como malucos, depois muda de ideia e interna a outra metade para, no fim, se convencer de que o maluco era ele.
Na mesma linha da maluquice se encontra o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Aquele que disse que decreto golpista “tinha na casa de todo mundo”. E agora à polícia diz que isso era “uma frase metafórica”. Irresponsáveis. Aparentemente, querendo se passar por malucos. Em busca de um Simão Bacamarte que inverta a população do manicômio internando dentro dele todos nós.