Um parente, lá das Alagoas, indagou acerca do andamento das eleições municipais no Distrito Federal. Perguntou, sob influência do show de horrores protagonizado por um aventureiro irresponsável no município de São Paulo, se a campanha candanga estava tão quente como o clima seco na capital da República. Não foi pequena a surpresa quanto soube que não existem eleições municipais no Distrito Federal. Em outras palavras, o Distrito Federal não conta com prefeitos ou vereadores eleitos pelo povo do “quadradinho”.
A inexistência de eleições para prefeitos e vereadores no Distrito Federal decorre da definição constitucional do art. 32 no sentido de que é vedada a divisão do Distrito Federal em municípios. Assim, essa singular unidade da Federação elege, junto com os demais estados, o governador e os deputados distritais, integrantes da Câmara Legislativa (e não, de uma Assembleia Legislativa, como nos estados).
A ausência de municípios no Distrito Federal possui algumas consequências bem específicas. O Distrito Federal concentra as competências administrativas e legislativas que a Constituição atribui aos estados e aos municípios. Por conta dessa definição, cabe ao Distrito Federal a cobrança de tributos reservados aos municípios, como o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e o ISS (Imposto sobre Serviços).
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Apesar de ter um território pouco extenso, se comparado com os Estados da Federação, uma curiosidade é muito comum quando se sabe da ausência de municípios no Distrito Federal. Indaga-se, com frequência, se o Distrito Federal não possui algum tipo de subdivisão interna para efeitos administrativos.
Segundo o artigo 10 da Lei Orgânica: “O Distrito Federal organiza-se em regiões administrativas, com vistas à descentralização administrativa, à utilização racional de recursos para o desenvolvimento socioeconômico e à melhoria da qualidade de vida”.
Atualmente, o Distrito Federal conta com mais de 30 administrações regionais (Plano Piloto, Lago Norte, Lago Sul, Taguatinga, Ceilândia, Sobradinho, Planaltina, Samambaia, Guará, Gama, Águas Claras, Jardim Botânico, entre outras). Cabe ao governador do Distrito Federal escolher e nomear os administradores regionais.
Historicamente, boa parte das administrações regionais é utilizada para a construção de bases de apoio parlamentar. A indicação de administradores regionais por deputados distritais rende o precioso apoio político ao governador do Distrito Federal de plantão nas votações de projetos na Câmara Legislativa.
Para “potencializar” a ocupação das administrações regionais pelo deputado distrital que “oferece” o nome do administrador regional, perpetua-se uma situação quase inacreditável nesses peculiares espaços da administração pública distrital. Segundo o Painel de Pessoal, mantido pela Secretaria de Economia do Governo do Distrito Federal, no mês de agosto de 2024, para uma força de trabalho de 1.873 servidores nas administrações regionais, 1.604 (85,6% do total) não possuíam vínculo (não concursados) e 269 (14,4%) apresentavam vínculo (concursados) (fonte: economia.df.gov.br). Não é difícil imaginar a degradação da eficiência e da continuidade dos serviços na maioria das administrações regionais.
Infelizmente, o Distrito Federal convive, por décadas, com um altíssimo grau de desorganização administrativa. A precária situação institucional das administrações regionais não é excepcional. Poucas são as áreas da administração pública distrital com um nível satisfatório de gestão pública, com planejamento, conjuntos normativos definidos e rotinas administrativas documentadas e impessoais. Uma das manifestações mais evidentes e preocupantes desse quadro de desorganização administrativa reside no volume de pagamentos sem lastro ou cobertura contratual. “A realização de despesa sem o devido lastro contratual, em total desacordo com a legislação de regência, tem sido observada reiteradamente na execução orçamentária do DF e vem sendo apontada nos Relatórios Analíticos sobre as Contas do Governo distrital nos últimos exercícios. (…) Para o período analisado, esses gastos apresentaram seu menor valor em 2020, após uma série de quedas sucessivas. Em 2021 houve inversão da inflexão da curva e, em vez da desejada redução desse tipo de gastos sem amparo legal, houve aumento de 138,6%, passando de R$ 76,1 milhões em 2020 para 183,1 milhões em 2021. No exercício em análise, a expansão continuou e foram registrados R$ 121,8 milhões a mais que no ano anterior, elevação de 66,5%, atingindo o total de R$ 304,9 milhões de despesas sem contratos” (fonte: tc.df.gov.br).
O processo de superação das enormes mazelas e distorções na administração pública distrital não passa pela criação de municípios. A inversão da triste lógica observada por décadas no Distrito Federal pressupõe uma profunda mudança de postura do eleitorado, como resultado de um complexo processo político de conscientização, organização e mobilização. Enquanto a maioria da Câmara Legislativa for composta na base do clientelismo e fisiologismo eleitorais mais rasteiros, as práticas mais reprováveis continuarão fortes e recorrentes no âmbito da gestão administrativa do Distrito Federal.
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