Há pelo menos duas engrenagens no Brasil atual que, aliadas, têm cumprido com relativa eficiência a função de manter a população ocupada, distraída e despolitizada, enquanto mudanças prejudiciais à essa mesma população são implementadas: me refiro ao gabinete do ódio, que atua em local certo, sabido e acoplado ao presidente Jair Bolsonaro, e às plataformas de redes e mídias digitais, que se deixam ser usadas como ferramentas.
Combinadas, essas engrenagens conseguem produzir efeitos de distração que desviam o foco das atenções da população em relação àquilo que realmente importa e a prejudica. Um produz e o outro contribui para a disseminação de conteúdos que cumprem esse papel.
Primeiro, é importante que se tenha em mente que as redes e mídias digitais, por mais que muitos as enxerguem como ferramentas inofensivas usadas para diversão, trabalho, bate papo ou encontros amorosos, na verdade devem ser encaradas também como veículos de comunicação de massa, controlados por empresas privadas estrangeiras, que, como tais, têm seus próprios interesses e contribuem para a alienação dos usuários, de uma maneira subliminar. Partindo da forma como essas plataformas são desenhadas e passando pela atuação dos seus algoritmos, elas criam as condições à propagação ou retração de determinado conteúdo. Não é à toa, por exemplo, que a maioria dos temas políticos passam por uma espécie de freio, especialmente se forem conteúdo de esquerda em algumas delas, e conteúdo como entretenimento e futilidades tenham um alcance e repercussão muito maior.
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Tais plataformas, são permeáveis aos “bots”, ou robôs que automatizam a utilização de perfis falsos, dando velocidade e ganho de escala industrial na distribuição de memes e fake news, ajudando assim a criar sensações coletivas que influenciam na uniformização do pensamento de boa parte das pessoas e das suas ideias e justificativas em relação aos fatos do dia a dia: por exemplo, criam condições para propagação personalizada de argumentos que fazem com que as pessoas se conformem e aceitem passivamente sucessivos aumentos de combustíveis: como explicar que tempos atrás o escândalo de uma mulher “viralizou” quando a gasolina custava R$ 2,68 e hoje custando R$ 9,00, por mais que muitos críticos até impulsionem seus comentários e protestos, não conseguem ter o mesmo alcance e não geram a mesma “comoção” coletiva?
Há profissionais trabalhando vinte e quatro horas por dia com modelagem psicométrica para microdirecionamento de conteúdo que impacta diretamente no estado psicológico das pessoas, chegando a cada uma delas pelo celular, na palma das suas mãos. Uma das táticas mais comuns é a de inundar as redes com diversos conteúdos como vídeos curtos, engraçados, polêmicos, extraordinários, sensacionais, violentos, ou com qualquer outra coisa que as plataformas sabem que você gosta, para desviar sua audiência das questões que prejudicam a população.
A segunda engrenagem, combinada com a primeira, é acionada pelo comportamento do presidente Bolsonaro. Desde a campanha, passando por todo mandato até agora na reta final em que estamos, alguns chamam o presidente de louco. Mas, não, de louco não me parece ter nada. Bolsonaro cumpre diariamente uma missão que é muito simples de identificar: a missão de distrair, de virar a página, de mudar de assunto enquanto os reais donos do poder operam.
A cada dia cria um inimigo, para o qual tenta direcionar a atenção e a raiva de seus seguidores e da população. A cada dia gera uma nova polêmica para esconder as situações de investigação e denúncias de corrupção contra seu governo e seus filhos ou ainda, como já ocorreu, para desviar o foco de votações como as da autonomia do Banco Central e da reforma da previdência, ou ainda para esconder a destinação dos lucros da Caixa Econômica para pagar dívida pública junto a bancos privados, às custas do desmonte do programa Minha Casa Minha Vida.
As distrações servem ainda para deixar de dar satisfações ao povo brasileiro a respeito da ausência de projetos estruturantes em seu governo; servem para esconder que o tipo de projeto econômico implantado no país contribui para acelerar de modo violento o processo de desindustrialização do Brasil e esconder o crescimento do desemprego. São distrações para manter o povo ocupado, dividido e discutindo “besteirol” enquanto se tenta ainda privatizar os correios e a Eletrobras; alguém duvida que a conta de energia tenha seus preços disparados como acontece com a gasolina, o óleo diesel e o gás depois da privatização e da mudança na política de preços da Petrobras?
Pudemos ver as distrações operando em uma série de polêmicas e dissimulações para fazer o povo desviar as atenções ou até apoiar a privatização da Petrobras, de suas subsidiárias, empresas de gás e das refinarias, e para conter a revolta da população com relação ao aumento do preço dos combustíveis e de todos os produtos que são impactados pelos aumentos abusivos.
Aliás, dizer que a culpa ou responsabilidade nunca é do presidente, também faz parte da estratégia. É culpa da pandemia, da guerra, dos governadores… o foco é sempre desviado de si mesmo até chegar ao cinismo de declarar aos berros que ele, Bolsonaro, não teria nenhum poder para baixar o preço dos combustíveis.
Uma mentira sem precedentes que é reproduzida para e por uma massa de alienados. Pior! Até isso desvia as atenções da população do escândalo que é a privatização dos lucros bilionários da Petrobras, que vão para os bolsos de poucos, às custas de uma exploração tão violenta que suga recursos e empobrece o povo brasileiro. Do ano passado para cá, a extorsão daria para construir pelo menos duzentos aeroportos como o de Natal em todo o Brasil. Já imaginaram os bilhões que deixa de circular no país? Em relação à extração do nosso petróleo nos moldes coloniais, talvez estejamos vivendo no Brasil momentos piores do que os que vivemos na extração e exploração nos ciclos do ouro, da borracha, do pau-brasil e da cana-de-açúcar. Nosso patrimônio continua a ser pilhado, às custas de uma parte do povo que segue alienado.
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