O último relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais sobre os níveis de desmatamento no país confirmou a tendência de queda nos índices de desmatamento na Amazônia. Os cinco primeiros meses de 2023 apresentaram uma queda de 31% em relação ao mesmo período de 2022. Essa melhora, porém, não foi observada no Cerrado, que sofre com um pico de perda de mata nativa e já entrou em estado crítico.
Para quem tem pressa:
-O desmatamento na Amazônia apresentou uma queda de 31% nos primeiros cinco meses de 2023 em comparação com o mesmo período de 2022.
-No entanto, o desmatamento no Cerrado aumentou significativamente, com uma perda de mata nativa de 4,8 mil km² entre agosto de 2022 e maio de 2023, superando a média histórica em 26%.
-O Cerrado é fortemente pressionado pelas atividades agrícolas e é essencial para o regime de chuvas do país, além de abrigar nascentes de rios estratégicos para o abastecimento de água.
Tanto a Amazônia quanto o Cerrado são alvos do crescimento da fronteira agrícola brasileira, com destaque para os estados de Tocantins, Mato Grosso e Goiás.
-A participação do setor privado, especialmente do setor agropecuário, tem impacto significativo no aumento do desmatamento no Cerrado.
-Os governos estaduais, principalmente na região de Matopiba, têm emitido autorizações de desmatamento em áreas extensas.
-Os setores comercial e financeiro, incluindo os principais traders e frigoríficos, continuam comprando produtos agrícolas de áreas desmatadas no Cerrado, incentivando a abertura de novas fronteiras de produção.
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O Cerrado, que ocupa maior parte da região Centro-Oeste, já conta com um longo histórico de desmatamento. Entre agosto de 2021 e maio de 2022, o bioma perdeu uma área superior a 3,9 mil km². O mesmo período entre 2022 e 2023 foi de devastação ainda mais intensa, de 4,8 mil km², espaço superior ao próprio Distrito Federal. Esse pico supera em 26% a média histórica de desmatamento na região.
Edegar de Oliveira, diretor de restauração e conservação da organização WWF Brasil, classifica o cenário do cerrado como uma “destruição sem precedentes”. “O bioma é fortemente pressionado pelas atividades agrícolas e indispensável para o regime de chuvas do país”, alertou. O bioma concentra nascentes de diversos rios estratégicos para o abastecimento de água no país, como São Francisco, Xingu e a bacia do Rio da Prata.
Tanto a Amazônia quanto o Cerrado são os principais alvos do crescimento da fronteira agrícola brasileira. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dois biomas estão presentes nos três estados com maior perda de vegetação campestre entre 2018 e 2020 (TO, MT e GO), sendo Mato Grosso o estado com maior aumento da área destinada à agropecuária no mesmo período.
PublicidadeMariana Napolitano, gerente de conservação do WWF, chama atenção para o fato de a Amazônia ainda estar em um momento de crise ambiental, e que ainda é necessária uma ação incisiva do governo tanto nela quanto no Cerrado. “A Amazônia tem mais um mês com redução de desmatamento, mas os números estão ainda em patamar muito alto. É importante que as ações de controle bem como as iniciativas de desenvolvimento sustentável ganhem mais força”, alertou.
Paralelamente, o mês de maio também contou com a perda por parte do Ministério do Meio Ambiente do controle sobre o sistema de Cadastro Ambiental Rural, mecanismo utilizado pela pasta para averiguar a possibilidade de atendimento de empreendimentos rurais às diretrizes ambientais vigentes. Uma emenda da Câmara dos Deputados à medida provisória de estruturação dos ministérios transferiu a função ao Ministério da Gestão e Inovação. Até o final de 2022, quem o controlava era o Ministério da Agricultura.
A especialista aponta para o impacto na forma de utilização do CAR sobre o desmatamento no Cerrado. “77% dos alertas de desmatamento no cerrado acontecem em áreas com CAR, onde há alguma intenção ou domínio privado. Fica clara a importância e participação do setor privado nesse aumento do desmatamento”.
Além da necessidade de ação a União para intervir na crise de desmatamento do Cerrado, Napolitano destaca o elevado grau de participação dos governos estaduais nesse fenômeno, especialmente na região de Matopiba, trecho de vegetação localizada entre o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. “Esses governos têm emitido autorizações de desmatamento em áreas muito grandes”, relatou.
O comportamento dos setores comercial e financeiro sobre a expansão do agronegócio também acaba comprometendo a preservação do Cerrado. “Os principais traders, os frigoríficos, continuam comprando soja e carnes de áreas com desmatamento no Cerrado, o que leva os produtores a continuar abrindo novas fronteiras para produção”.