Alvo de pedido de investigação da Procuradoria-Geral da República por incitar os atos golpistas de 8 de janeiro em Brasília, a deputada federal diplomada Clarissa Tércio (PP-PE) foi condenada este mês, em primeira instância, a pagar R$ 10 mil por transfobia e uso indevido e imagem do casal transexual Rodrigo Brayan da Silva e Ellen Carine Martins, que são da cidade de Montes Claros, em Minas Gerais. Clarissa tem 38 anos e atualmente é deputada estadual em Pernambuco.
Em dezembro de 2020, ela compartilhou uma foto do casal em sua rede social. Mesmo sem autorização, reproduziu a imagem e ironizou a gestação de Rodrigo, que é homem trans. “Ela nasceu ele. E o melhor disso tudo é a biologia provar para a ideologia que sempre vai precisar de um XX e XY para gerar uma vida”, disse a deputada na postagem.
Rodrigo estava esperando a filha Izabella Victória, que atualmente tem quase dois anos de idade. A assessoria da deputada afirmou que ela deve recorrer da decisão.
Leia também
“Referente à decisão da Justiça de Minas Gerais, informo que até o presente momento, não fui comunicada oficialmente, mas assim que for, adotarei as medidas judiciais cabíveis, recorrendo da decisão”, diz a Clarissa em nota enviada ao Congresso em Foco.
Segundo a atual legislação, transfobia é “raticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em razão da orientação sexual da pessoa”. Transfobia é crime desde o ano de 2019, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na condenação, a Comarca de Montes Claros justificou que a deputada foi condenada por publicar a foto de ensaio do casal sem autorização e “com legenda em tom depreciativo e expondo os autores a comentários maldosos e pejorativos”.
Publicidade“Recebemos diversos ataques de apoiadores da deputada, palavras horríveis que em um momento tão frágil que estávamos com a gestação não fez bem para nosso psicológico, principalmente para meu esposo Rodrigo que estava gerando”, disse Elle Carine, esposa de Rodrigo.
“Decidimos procurar a Justiça porque não é justo ver uma pessoa que foi escolhida para representar o povo fazer totalmente o contrário. Não teve notícia melhor nesse início de ano. Nos conforta como casal trans ver nossos direitos sendo reconhecidos”, completou.
Apoio as atos golpistas
Em seus últimos dias como deputada estadual por Pernambuco, Clarissa Tércio (PP-PE) foi eleita deputada federal em outubro. Sua base é o segmento evangélico. Ela foi a segunda mais votada para Câmara no estado, com mais de 240 mil votos. É aliada e próxima ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Recentemente, a Procuradoria-Geral da República solicitou ao STF a abertura de inquérito contra a deputada por incitar os atos democráticos. Na ocasião, bolsonaristas invadiram, depredaram e roubaram prédios públicos como o Palácio do Planalto, Congresso Nacional e a sede do STF. Também são alvos do pedido de investigação os deputados federais diplomados André Fernandes (PL-CE) e Silvia Waiãpi (PL-AP).
O Ministério Público Federal defendeu que postagens feitas pela deputada antes e durante as invasões “podem configurar incitação pública à prática de crime e tentativa de abolir, mediante violência ou grave ameaça, o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”.
No dia dos atos golpistas, a deputada publicou um vídeo em que um dos invasores diz: “Acabamos de tomar o poder. Estamos dentro do Congresso. Todo povo está aqui em cima. Isso vai ficar para a história, a história dos meus netos, dos meus bisnetos”.
Contra o aborto legal
Clarissa Tércio também participou, em agosto de 2020, junto com outros parlamentares de Pernambuco, de uma manifestação com objetivo de impedir a realização de um aborto legal em uma maternidade pública do Recife.
Na época, uma criança de dez anos, que foi estuprada no Espírito Santo, foi levada a Pernambuco para interromper legalmente a gravidez. O caso se enquadrava na legislação brasileira que permite o aborto para casos de estupro, anencefalia fetal e gravidez que traga risco à vida da grávida.
Além dos parlamentares, diversos religiosos estiveram na porta da maternidade para tentar impedir o procedimento, que foi realizado mesmo sob a pressão psicológica na criança. Clarissa, que é filha do pastor Francisco Tércio, acabou ganhando mais espaço entre os evangélicos no estado. O pai é presidente da Assembleia de Deus Novas de Paz.