A decisão do Tribunal Superior Eleitoral de reservar 30% do fundo eleitoral e de garantir o mesmo percentual de tempo de propaganda política para as candidaturas femininas representa um marco histórico na luta das mulheres por uma relação mais igualitária na sociedade.
A relatora da consulta no TSE, ministra Rosa Weber, fundamentou seu voto no princípio da igualdade, alegando que o partido político não pode criar distinções baseadas exclusivamente no gênero para a distribuição desses recursos. E a reserva de cota de gênero busca justamente evitar o repasse discriminatório por partidos ou coligações, perpetuando uma desigualdade histórica na promoção de candidatos e candidatas.
A necessidade de uma sociedade mais justa e igualitária como forma de amadurecimento e fortalecimento de nossa democracia é um tema cada vez mais presente na agenda do país, daí a importância de valorizar as vitórias do movimento, em especial quando, como é o caso, são capazes de provocar uma interferência direta na campanha eleitoral e, por consequência, no resultado das eleições.
Pode-se dizer que o Brasil registrou avanços na busca por igualdade de gênero nos últimos 20 anos, como se evidencia no combate à violência contra a mulher – com a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio, entre outras medidas.
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Mas o sistema político ainda está longe de oferecer condições equivalentes para garantir espaço – e voz – a elas nos legislativos. Tanto que apenas em 2012 a cota para candidatas em partidos ou coligações chegou aos 30%, e por força da Lei 9.054/97.
Mesmo assim, as mulheres ocupam hoje apenas 10% das cadeiras do Parlamento, apesar de responderem pela maioria do eleitorado nacional (51.7%), o que revela uma abissal discrepância de representatividade. No Poder Executivo, a situação é semelhante: levantamento do projeto Mulheres Inspiradoras, que atua pela participação feminina dos espaços do poder, mostra o Brasil na 161ª posição entre 186 países pesquisados. O estudo analisou a evolução histórica da participação feminina no Poder Executivo de 1940 até hoje.
É verdade que será uma longa caminhada até o dia em que elas forem eleitas na mesma proporção que eles, e sem a necessidade de cotas para candidaturas, financiamento ou propaganda eleitoral. Mas a decisão do TSE surge como uma medida concreta para que o país alcance um novo patamar de participação feminina no processo político.
Para ser uma participante ativa da vida política é necessário investimento, incentivo e garantia de condições básicas para uma disputa de igual para igual pelo eleitorado. A reserva obrigatória de parte do Fundo Eleitoral para a representação feminina fortalece a presença delas no processo político.
Mas nessa trajetória, nem tudo são flores. Enquanto as mulheres comemoram a conquista histórica e vislumbram um horizonte de mudanças significativas no rumo da participação feminina, representantes de alguns partidos políticos reagem para tentar reverter a determinação dos juízes eleitorais, expondo as vísceras de uma cultura arcaica e machista que destoa diametralmente da visão moderna de uma sociedade em que homens e mulheres dividam os espaços de poder de forma justa e equilibrada.
A principal crítica à decisão do TSE foca na chamada “judicialização” das regras eleitorais, ou seja, no fato de que mudanças desse tipo não devem ser feitas pelo Poder Judiciário, mas pelo Congresso Nacional – que, no entanto, permanece convenientemente omisso para não mexer em time que está ganhando. Também é forte o arrogante argumento de que parte das candidatas não teria “força política” para competir – como se não houvesse candidato desconhecido na disputa, sem força política, mas que recebe recursos do mesmo jeito.
Posicionamentos à parte, o fato é que uma nova realidade se apresenta para as candidaturas femininas, tornando o pleito de outubro ainda mais desafiador.