Artigo escrito em parceria com Felipe Rodrigues, jornalista, cientista político e mestrando em Poder Legislativo *
Tite, técnico da seleção brasileira em duas Copas do Mundo, foi demitido do Flamengo. En passant, alguns jornalistas comentaram que o técnico não havia se adaptado ao novo modo de comunicação vivido pelo futebol. De fato, o próprio Tite alertou um dos jornalistas (Lédio Carmona, do SporTV) que era necessário ter cuidado com a forma como a comunicação caminhava no futebol brasileiro. O ponto, para o técnico, foi a transformação de muitos torcedores em “jornalistas”. Trata-se do blogueiro, do influencer, que pensa como torcedor e tem status de formador de opinião.
Pablo Marçal ganhou destaque na corrida eleitoral em São Paulo. Coach – conceito amplo e de difícil definição substantiva –, utiliza sua capacidade de comunicação nativa do mundo digital para chamar atenção. Ataca, ironiza, dramatiza, atua, apelida. É, na essência, um ativista da antipolítica que ganhou palco entre políticos. Apresenta-se como um torcedor que também pode derrubar um técnico, mas em seu caso, não só derrubá-lo, como também substitui-lo nas funções.
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Quem, mesmo com a maior indignação e frustração com seu clube, escolheria um torcedor para comandar seu time? E por que muita gente prefere um torcedor para comandar sua cidade?
Platão ao discutir em A República a melhor forma de sociedade asseverou que governo é uma atividade que exige perícia, a qual deriva do talento, estudo e treinamento. Os fundadores dos Estados Unidos livres, no século 18, entenderam que criavam uma república que se baseava no autogoverno do povo. Porém, e isto é essencial, as paixões das massas deveriam ser contidas e filtradas pelo sistema indireto de eleição presidencial – via colégio eleitoral como formalmente se faz até hoje – e pela presença de um Senado mais isolado das emoções momentâneas e candentes – algo ainda parcialmente mantido. Tanto para o grego quanto para os norte-americanos, governar difere da paixão imediata do cidadão ordinário.
Com o advento do sufrágio universal e da democratização nos séculos 19 e 20, a teoria democrática preocupou-se sobretudo em valorizar o autogoverno, a participação do povo na escolha de seus representantes e nas decisões públicas. De fato, governos de autoridade elitizam-se, mostram uma tendência genética ao isolamento, à proteção da própria casta e ao descuido com as classes desprivilegiadas. Contudo, se o povo tem o direito de ser considerado em primeiro plano nas decisões públicas – algo ainda distante da realidade, diga-se – isso não desqualifica a pergunta “quais capacidades deve ter um governante”. Em outras palavras, não há dúvida que a democracia deve ser o governo para o povo, mas é preciso discutir o que significa governo pelo povo.
Questionar quais capacidades um governante deve ter não se trata de elitismo ou proteção a uma casta. O compromisso com o bem comum, que, apesar de mal definido, nunca deixa de ter em seu cerne o bem-estar do maior número de pessoas, e a confiança na pedagogia ativa do voto e da participação política devem pautar os estados democráticos sempre. Assim, não se trata de exigir educação formal, curso preparatório, procedência familiar, riqueza ou coisas do gênero para qualificar um cidadão como possível bom governante. As perguntas referem-se à vivência, aos serviços prestados, à socialização política do postulante e aos projetos que ele defende. Isso é o que o diferencia de um mero torcedor.
O que é política, como se atua nela, e pra que ela serve são perguntas que o candidato deveria saber responder. Confiar a um torcedor o posto de técnico de futebol dificilmente dará bom resultado, pois ele provavelmente ganhou destaque pela paixão pelo clube e capacidade de comunicação, nem sempre com a maior responsabilidade. Um torcedor da antipolítica, se vitorioso em uma eleição, pode por a perder o governo e a qualidade de vida dos cidadãos. Não saber o que é política, como fazê-la e para que fazê-la, é o que marçais e outros oferecem de fato ao eleitor. O risco é grande demais e deve ser evitado.
Que as eleições de 2024 propiciem o aprendizado nascido da discussão da política como deve ser e da experiência do voto e suas consequências. Na democracia, torçamos!
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