No início da manhã do último dia 5, em Blumenau (SC), um homem armado com uma machadinha pulou os muros de uma creche e matou quatro alunos entre quatro e sete anos. As crianças se juntam aos 12 estudantes mortos em Realengo (RJ), em 2011, por um ex-aluno da escola, aos cinco de Suzano (SP) assassinados a tiros por dois atiradores e a muitas outras vítimas desse tipo de crime que vem crescendo nos últimos anos no Brasil.
Segundo um mapeamento da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre casos de ataques em escolas por alunos ou ex-alunos, o primeiro episódio foi registrado em 2002, quando um adolescente de 17 anos disparou contra duas colegas dentro da sala de aula de uma escola particular de Salvador. Desde esse caso, foram contabilizados 22 ataques, 13 deles realizados nos últimos dois anos.
Os ataques e as ameaças que na maioria das vezes não chegam a acontecer geram pânico. Aulas canceladas, pais buscando os filhos mais cedo e alunos assustados. A rotina das escolas brasileiras tem mudado e o país presencia uma realidade que até então parecia restrita ao noticiário norte-americano.
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Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, há um fenômeno “novo e inaceitável”, que é a vingança contra as escolas e a sociedade por meio dos ataques. “O extremismo de direita, neonazista e fascista, oferece uma cultura que tenta justificar e propagar a violência. Quase todos os promotores de ataques circulavam em comunidades de ódio organizadas sob a cultura neonazista e fascista”, aponta.
Culto da Violência
Há diversas comunidades online que exaltam os autores de massacres em escolas, frequentemente associados a símbolos do nazismo e fascismo. Para o historiador Daniel Pradera, os ataques têm relação direta com ideologias de extrema-direita. “A maioria dos ataques se dá contra alvos minoritários. A preferência de alvo desses ataques é sempre mulher. A gente vê um perigo que os corpos femininos correm, em específico. E a misoginia é um ponto catalisador da extrema-direita, o que possibilita a radicalização de muitos adolescentes”, explica.
Ainda segundo Pradera, o governo Bolsonaro fomentou o chamado culto da violência e “empurrou” muitos direitistas ao extremo da ideologia. “A gente tem uma extrema-direita que se veste com uma roupagem de direita e tenta se posicionar como moderada, o que é um equívoco. É lógico que não é possível falar disso sem falar da ascensão do bolsonarismo, do governo do Bolsonaro, que durou até o ano passado. Isso também foi um grande potencializador, através dos CAC’s [colecionador, atirador desportivo e caçador], de uma escalada na violência política. É exatamente um reflexo dessa violência do governo Bolsonaro que está ocorrendo nas escolas.”
Violência contra violência
Na última segunda-feira (10), o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), informou que todas as 1.053 escolas estaduais contarão com ao menos um policial armado em até 60 dias. O projeto custará R$ 70 milhões ao ano e envolve policiais militares que estão na ativa e aposentados.
A medida tenta seguir o que é feito nos Estados Unidos, embora lá já tenha se mostrado uma medida ineficiente. Uma pesquisa publicada em 2019 na revista científica Journal of Adolescent Health, revisou 179 episódios de tiroteios em escolas americanas entre 1999 e 2018 e concluiu que manter guardas armados na escola não reduziu o número de vítimas em massacres. Para a professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Débora Messenberg, a resposta é clara: não se pode “combater violência com violência”. “Se fosse assim, aquela velha teoria das penas mais punitivistas controlaria a violência. Isso não controla. A violência é sistêmica, ela existe na sociedade em função de uma série de causas, que essas sim precisam ser enfrentadas”, explica Messenberg.
Segundo a professora, a resposta está na prevenção dos conteúdos veiculados e do combate à cultura da violência. “As pessoas percebem a violência nesse sentido, como o combate a ela somente de forma violenta e não conseguem perceber que a questão é muito mais de prevenção, controle de conteúdos, de não estímulo à cultura da violência. E aí estamos vivendo um momento bastante difícil, não só pela não regulamentação das redes sociais, onde tudo está sendo válido, como uma liberação de um discurso de cunho fascista que alimenta esse ambiente de ódio”, afirma.
Prevenção e controle
O professor e sociólogo Marcos Rolim, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também aponta para a questão do monitoramento da internet e de possíveis indivíduos e grupos perigosos. “O desafio da prevenção envolve recursos de inteligência policial e colaboração das ‘big techs’ no monitoramento de grupos potencialmente violentos que se organizam na internet, para detecção de planos de ataque. Sabe-se que há um perfil de perpetradores que são quase sempre jovens do sexo masculino, marginalizados socialmente, misóginos, que glorificam armas e violência e se vinculam a grupos de extrema-direita de perfil nazifascista”, completa.
Em relação ao ambiente escolar, Rolim recomenda que a prevenção dos ataques deve se basear na CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design), ou seja, na prevenção de crimes por meio da adaptação do ambiente escolar. A sigla em inglês se refere a uma estratégia que considera que as características físicas do espaço podem reduzir o crime. “Controlar melhor, por exemplo, o acesso de pessoas de fora da escola aos estabelecimentos com medidas de natureza arquitetônica. Internamente, é muito importante, para a prevenção, melhorar o clima escolar, fazendo com que a escola seja um espaço de acolhimento e respeito, como foco na redução do bullying e em posturas discriminatórias, porque parte dos perpetradores age por vingança diante de experiências vividas na escola”, aponta.