Faltavam 30 minutos para Lula desembarcar no Palácio do Planalto, onde receberia a faixa presidencial, quando o trompetista Fabiano Leitão recebeu pelo celular uma mensagem do fotógrafo oficial do presidente, Ricardo Stuckert.
“Onde você está? Preciso falar com você com urgência”, escreveu Stuckinha, apelido pelo qual é chamado pelos amigos. Fabiano era mais um na multidão de 40 mil pessoas que lotavam a Praça dos Três Poderes à espera da apoteótica chegada de Lula. O trompetista foi resgatado no meio do público por dois policiais federais para se juntar ao palco máximo da celebração. Convidado pelo fotógrafo, a pedido do próprio presidente, foi levado até a rampa do Planalto.
Assim que o Rolls-Royce presidencial parou em frente ao palácio, foi cumprimentado com entusiasmo por Lula. De camiseta vermelha e boné vermelho, ambos alusivos ao novo presidente, encheu os pulmões, logo após cumprimentar a primeira-dama, Janja da Silva, para soltar no trompete o famoso “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”.
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Fabiano subiu a rampa, logo após o presidente, a primeira-dama, Geraldo e Lu Alckmin, a vira-lata Resistência e as cinco pessoas que simbolizaram o povo brasileiro na passagem da faixa presidencial. O músico, natural de Brasília e conhecido da militância petista, foi ovacionado pelo público enquanto fazia um gesto de comemoração.
Aos 43 anos, Fabiano vivia uma apoteose inimaginável para quem, como ele, minutos antes, estava sentado no chão, com familiares e amigos, sob um calor escaldante, à espera da chegada do presidente.
Serenatas em Curitiba
PublicidadeO improviso do momento contrasta com a disciplina que o músico demonstrou ao longo dos 580 dias de prisão do presidente. Assim como Lula, Fabiano TromPTista, como é conhecido, revivia, ao subir a rampa do Planalto, os momentos que passou em frente à Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.
Lá, ele se tornou presença frequente, com seu trompete, nas saudações diárias que os apoiadores do petista faziam para demonstrar que ele não estava sozinho. Nesses momentos, tinha a companhia de outros dois músicos que também tentavam embalar o “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite, presidente Lula”, repetidos 13 vezes todos os dias pelos presentes em frente à carceragem.
Além do “Olê, olê, olê, olá”, Fabiano tocou dezenas de outras canções. Entre elas, o jingle “Lula lá”, sucesso composto por Hilton Acioli para a eleição de 1989, o hino do Corinthians, time de coração do presidente, e o hino da Internacional Socialista. Foi ao ouvir esse clássico da esquerda que Lula pediu à presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PR), que procurasse Fabiano para agradecê-lo.
Amizade inusitada
Nascia ali uma amizade entre o trompetista e o então ex-presidente, expressa em alguns encontros e telefonemas. Em 15 de abril de 2021, Lula ligou às 23h para Fabiano para agradecer pelo carinho demonstrado no período em que esteve na prisão e para dizer que raiava ali a “aurora da liberdade” no país, com a abertura do caminho para sua volta ao poder.
Em agosto de 2021, ele recebeu nova ligação do presidente quando teve seu instrumento de trabalho destruído ao ser preso pela polícia por tocar “Bella, Ciao”, hino contra o fascismo italiano, durante um desfile de tanques do Exército na Esplanada dos Ministérios. O militante foi preso. Lula queria saber como ele estava e das condições do trompete.
Uma colaboração entre amigos e petistas permitiu a Fabiano comprar dois instrumentos. Um deles, o mais caro, pretendia usar na posse do presidente. Como não havia sido convidado previamente para a festa, levou no dia 1º de janeiro o trompete mais simples. “Precisava ser como foi. Eu estava ali como sou mesmo”, diz.
Os sinais na posse
Ao longo daquele dia, Fabiano embalou as pessoas ao seu redor na Praça dos Três Poderes. Estava deitado sobre a grama, tombado pelo calor, quando ouviu Lula, em seu primeiro discurso de posse, no Congresso Nacional, citar o nome da Igreja de São Benedito, em Teresina. “É a igreja onde fui batizado”, lembra. O presidente mencionou a igreja ao contar que usava, ao ser empossado, uma caneta que lhe havia sido dada de presente por um apoiador naquela igreja em 1989.
Filho de mãe piauiense, Fabiano despertou com a coincidência. “Foi o primeiro chamado daquele dia”, considera. Instantes depois, recebia a mensagem de Stuckert, com quem fizera amizade nas vigílias em Curitiba. Em menos de meia-hora, estava de pé para recepcionar Lula na rampa do Planalto. “Eu não acreditei. Parecia um sonho”, relata uma semana depois, ainda emocionado.
Sofrimento virou felicidade
Apaixonado pelo PT e por Lula desde os dez anos de idade, quando fez bandeiraço para a primeira eleição presidencial do petista, em 1989, Fabiano lançou-se candidato a deputado distrital em 2022. Com pouco mais de 4 mil votos, ficou na suplência. Trajando sempre boné e uma camiseta vermelha estampada por uma foto de Lula, vira-se como pode para sustentar a família: trabalha como motorista de aplicativo, dá aulas de música.
Ele estima que esteve fora de Brasília em 300 dos 580 dias em que o presidente esteve preso, mantendo-se com a colaboração de militantes petistas, que faziam “vaquinhas” para que ele pudesse viajar pelo país, fazendo “lulaços” e se manter. Com os “lulaços”, tocava em espaços públicos para mobilizar a população contra a prisão do então ex-presidente.
Um sacrifício que, segundo ele, valeu à pena. “Lula é uma força da natureza. Eu dizia às outras pessoas que estavam na vigília que aquilo ia passar, que ele ainda ia voltar a ser o nosso presidente”, diz Fabiano ao comemorar que sua profecia virou realidade. Foi dessas pessoas que Fabiano diz ter se lembrado ao subir a rampa. “Só lembrava de tanta gente de luta que eu estava representando. Esse povo merece atenção, carinho, estar com o presidente Lula. “Eu pensava muito no povo da vigília porque todo aquele sofrimento agora era felicidade” ressalta. “Aquela luta estava se transformando em momento de glória, felicidade.”
Assista à entrevista de Fabiano TromPTista ao Congresso em Foco:
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