João Barros *
Gostaria de compartilhar uma experiência vivida em uma turma na universidade. Trata-se de uma disciplina intitulada Religião e Sociedade. Ela foi criada após uma proposta apresentada depois de identificar que não havia nenhuma oferta que tratasse do fenômeno religioso em todo o campus das Humanas/Sociais Aplicadas. O objetivo foi pôr os/as estudantes em contato com categorias que os ajudassem a compreender um pouco o que está acontecendo no Brasil nos últimos anos, despidos tanto dos preconceitos herdeiros de Marx, quanto do racionalismo/iluminismo.
De um lado, muitas pessoas pensam que a religião simplesmente deveria desaparecer à medida que a razão avança na sociedade. Por outro, a religião seria algo que poderia ser admitido apenas na esfera privada, ou mesmo considerar plausível pensar em uma deidade. Ambos os pré-conceitos não ajudam a entender os efeitos da presença evangélica na sociedade brasileira ultimamente. Para minha surpresa, a maioria das pessoas inscritas foram estudantes evangélicas/os. Com o passar das aulas foi ficando nítido que a vivência de fé de algumas daquelas pessoas tinha sido marcada por experiências de sofrimento/decepção, seja diretamente com elas, seja com familiares próximos.
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Essa percepção se confirmou especialmente em uma aula durante a qual lhes pedi que relatassem a compreensão geral/posicionamento de suas denominações sobre direitos humanos. Os relatos começaram a expressar situações de forte carga emocional, do tipo: “vou ao culto, e sinto a presença de Deus, mas sei que não conseguirei ficar lá muito tempo por conta das diferenças inconciliáveis”. Várias das pessoas começaram a chorar discretamente. Dias depois, uma delas veio me agradecer por ter encontrado naquela aula “uma resposta de Deus” para uma questão que já estava carregando há tempos.
Aproveitei para agradecer à turma pelo ambiente de confiança que foi criado e por compartilharem suas experiências. Da parte delas, não poderiam imaginar que encontrariam na universidade um espaço como esse. De minha parte, sequer imaginava que isso pudesse acontecer quando pensei nessa disciplina. Graça de Deus.
* João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina*
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