Daniel Leão Bonatti *, Oscar Adolfo Sanchez ** e Vinicus Schurgelies ***
É comum acusar governos de tratar cargos em comissão como “cabides de emprego”. Tal visão, entre outros fatores, parte da premissa de que os cargos de livre provimento são considerados item de barganha para cumprir acordos e promessas de campanha, quando não são utilizados como espaço para acomodar parentes e correligionários.
Mesmo que seja impossível negar que tais práticas possam ser identificadas em diferentes níveis e poderes da administração pública brasileira, deve-se evitar generalizações. Indicações políticas existem, mas a esmagadora maioria dos cargos permanece destinada e preenchida mediante concurso público.
À guisa de exemplo, em novembro de 2022 o governo do Estado de São Paulo contava com 433.434 servidores ativos, dos quais 3.530 eram comissionados, de livre provimento, ou seja, apenas 0,8% do total. Por definição, os cargos comissionados possuem natureza especial: são transitórios, prescidem de concurso público e devem ser nomeados por autoridade competente.
E, apesar de falarmos tanto em democracia, esquecemos que vivemos numa República, regime no qual os cidadãos delegam a um grupo político, escolhido pelo voto, o comando do Estado por um período determinado. Destaca-se aqui o fator legitimidade para governar. Legitimidade essa que implica na lidimidade para elaboração das políticas públicas, no controle sobre sua implementação e na organização e gestão da força de trabalho. E diante da administração dos recursos estatais e das opções efetuadas, caberá ao governante prestar contas à sociedade que lhe “confiou” essas responsabilidades.
Leia também
No velho manual, os políticos formulam as políticas e o corpo burocrático as implementa. Os servidores de carreira são, portanto, um recurso e elemento indispensável para o bom funcionamento do Estado e das políticas públicas. Entretanto, esse corpo burocrático não é neutro; possui valores, interesses e demandas que nem sempre coincidem com os objetivos dos governantes eleitos. Também é inerente ao corpo burocrático o apego aos procedimentos, regras e diplomas legais que representariam a lisura e eficiência dos processos e rotinas administrativas.
PublicidadeDessa forma, os cargos comissionados surgem como instrumento para efetiva implantação da agenda política escolhida pelos cidadãos. Ou seja, para que a burocracia seja gerida de forma adequada, tornando os ocupantes de tais cargos importantes aliados para alcançar os desejos que o cidadão explicitou nas urnas.
Além disso, novas tecnologias controlam não apenas o mundo público e corporativo, mas a vida das pessoas. Como disse o biólogo Edward Wilson, temos tecnologias “divinas” que não podem ser encaradas com “cérebros paleolíticos e leis medievais”.
Nesse sentido, parece improvável que a administração pública do século 20, da qual a Lei 8.666 e o Plano Plurianual (PPA) são representações simbólicas, absorva essas tecnologias e outras em rápido desenvolvimento. Tampouco é provável capacitar um servidor para lidar com tais tecnologias com formações pontuais e de curto prazo. Tais tecnologias, com potencial de atender o cidadão de maneira cada vez mais digna, precisa de processos e profissionais que permitam oxigenar a administração pública incorporando conhecimentos e habilidades sem que haja a captura por grupos econômicos que tornem o Estado dependente de suas tecnologias.
Os servidores comissionados, quando capacitados, bem remunerados e selecionados com critério, para atender a projetos bem definidos, podem ter a função de semear na administração pública as bases de novas ferramentas de gestão e tecnologia, tais como as novidades trazidas pela inteligência artificial e pela ciência de dados.
No mais, não nos esqueçamos: se por um lado o papel do servidor público é garantir a eficiência e a conformidade dos atos oficiais, é a política que induz à inovação e à evolução administrativa.
* Cientista político e mestre em Gestão e políticas públicas pela FGV/EAESP.
**Cientista social e doutor em Ciência Política pela USP.
***Administrador público e doutor em Administração Pública pela FGV/EAESP.