A Comissão de Anistia, órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos encarregado pela reparação de vítimas de violações de direitos humanos pelo Estado brasileiro entre o fim do Estado Novo (1946) e o fim do regime militar (1985), reconheceu nesta sexta-feira (29) os sócios e funcionários da extinta companhia aérea Panair como alvos de perseguição da ditadura iniciada em 1964. O Congresso em Foco contou pela manhã a história da empresa e o efeito de sua extinção para familiares e sócios.
Brasil pede perdão a 5 mil funcionários da Panair
Fundada em 1929 e nacionalizada com a compra, em 1961, pelos empresários brasileiros Celso Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen, a Panair teve suas atividades interrompidas em 1965 por determinação do governo militar. Seus mais de 5 mil funcionários ficaram sem empregos, e o patrimônio da companhia foi arrendado às concorrentes Varig e Cruzeiro. A falência só foi levantada em 1995.
Em 2023, a Comissão da Anistia reconheceu a perseguição a Rocha Miranda. A nova ação busca expandir o pedido de perdão às demais vítimas do desmonte da empresa.
Confira a íntegra do julgamento:
A primeira pessoa a falar foi a relatora do processo, a conselheira Isabella Arruda Pimentel. Ela relembrou o entendimento da defesa de que a perseguição por parte da ditadura foi graças ao não alinhamento de seus sócios ao golpe militar de 1964. Ela também ressaltou que os atos de repressão do governo à empresa foram amplamente documentados na época.
“Temos que o caso Panair é uma história emblemática de caso nacional de aniquilação de uma pessoa jurídica na história na história do capitalismo, por atos de exceção de um regime autoritário que atingiu uma coletividade de trabalhadores”, apontou a relatora. Ela ainda chamou atenção para as condições econômicas da companhia antes do golpe militar. “A Panair era a que tinha as melhores chances de se recuperar de uma forte crise que abalava o setor”.
Isabella Pimentel também apontou para a participação do Judiciário como cúmplice da perseguição, legitimando as decisões do governo na época. Isso resultou na perda em massa da fonte de sustento dos seus trabalhadores, com alguns chegando a cometer suicídio. Seu voto foi pelo deferimento da concessão da anistia aos funcionários, oficializando o pedido de desculpas por parte do Estado brasileiro.
Em seguida, falou o advogado das vítimas, Wilson Quinteiro. Ele destacou a dissonância entre o discurso do regime militar, que sustentava a repressão alegando defender os interesses nacionais, ao mesmo tempo que perseguia uma empresa que atuava exatamente com integração nacional. Ele relatou também que muitas das vítimas do fechamento foram submetidas a anos de perdas financeiras, ficando endividadas e submetidas à perda de suas casas e suas economias.
Relato de vítima
A terceira pessoa a falar foi a ex-comissária de bordo da Panair Ingrid Fricke. “Eu estou há dias sem conseguir dormir, preocupada com esse dia de hoje, porque é triste falar dessa situação”, abriu. Ela lembra que estava na Alemanha no dia da falência, em um jantar a trabalho, e custou a acreditar quando foi informada do fim da empresa.
Confira a íntegra de seu depoimento:
“Muita gente ficou sem emprego. Foram à Austrália e outros países no mundo, e nunca voltaram”, citou. De acordo com ela, a empresa se preparava para expandir a sua operação, desenhando os planos para uma ponte aérea rumo à Europa. “A Panair era muito conceituada, seja na Amazônia, ou em qualquer lugar. (…) Em todos lugares onde você voava, ela era muito conceituada, muito querida. Como pode fechar uma companhia dessas?”, indagou. “É muito triste isso. Eu, até hoje, não consigo me conformar com esse final de Panair no Brasil”, lamentou.
Em seu depoimento, retomou a questão do dano financeiro deixado pela repressão aos funcionários. “Quando foi fechada, ninguém ganhou nada. Ficou uma dívida, nem que seja para os netos. (…) É uma coisa reparadora”.
A conselheira Ana Maria Lima de Oliveira a sucedeu. Ela tornou a bater na tecla do caso Panair enquanto exemplo de colaboração do Judiciário com o regime militar. “O ministro presidente do STF ontem disse, em um pronunciamento, que o fato de não termos pedidos de desculpas pelas violações causadas com o golpe de 1964, que atingiu individualmente pessoas físicas e jurídicas, tem como resultado o que aconteceu recentemente. Seria bom a gente fazer essa reflexão (…) : o Poder Judiciário brasileiro tem sua grande responsabilidade com os seus membros, como vimos hoje”.