As assessorias de todos os principais candidatos à Presidência da República avaliam que terão esta semana um dos momentos mais decisivos da corrida eleitoral. Esta semana, eles darão suas entrevistas ao Jornal Nacional, o principal telejornal brasileiro, da TV Globo. Serão assistidos por milhões de pessoas numa inquirição que, a julgar pelas eleições anteriores, costuma ser muito dura e incisiva, comandada pelos jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos.
O primeiro entrevistado, na noite desta segunda-feira (22), será o presidente Jair Bolsonaro, do PL, candidato à reeleição. A primeira prova de fogo de Bolsonaro acontecerá mesmo fora do estúdio do Projac, onde Bonner e Renata conduzirão a entrevista. Os opositores do presidente planejam organizar o maior panelaço contra Bolsonaro já produzido no momento da entrevista.
Veja o comentário em vídeo:
O núcleo central da campanha de Bolsonaro sabe como o momento será decisivo. Algumas das pesquisas mais recentes apontaram alguns sinais trocados. As pesquisas do Ipec e do Datafolha divulgadas na semana passada apontam para uma chance de vitória de Lula ainda no primeiro turno.
Leia também
No Ipec, Lula tem 44% das intenções de voto e todos os demais candidatos somam 41%. No Datafolha, o candidato do PT tem 47% contra 42% dos demais. Como no Brasil valem somente os chamados votos válidos (que excluem brancos, nulos e abstenções), o candidato que obtém um percentual maior que a soma dos demais leva a eleição no primeiro turno. Mas o Datafolha aponta para estacionamento de Lula com relação à rodada anterior e crescimento de Bolsonaro. Ele, porém, teria de acelerar muito tal crescimento para conseguir reverter o resultado até o primeiro turno. Tem condições, porém, de acelerar o suficiente para evitar que Lula vença já na primeira volta. E o segundo turno é sempre uma nova eleição.
Assim, Bolsonaro sabe que, neste momento o que ele mais precisa fazer é ampliar os seus votos para além da sua bolha mais radical. E é isso o que o núcleo da campanha bolsonarista sonha conseguir fazer a partir da plataforma de audiência que o Jornal Nacional pode dar na noite de hoje ao presidente.
O problema é que a cúpula bolsonarista está para o presidente assim como a equipe da União Soviética estava para as preleções do técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola, na Copa do Mundo de 1958. Diz a lenda que Feola reuniu o time antes da partida com a forte União Soviética do goleiro Yashim e detalhou o que pretendia que cada um fizesse no jogo. Fulano ia marcar Beltrano. Sicrano anularia o outro Fulano. Ao final, segundo a lenda, Mané Garrincha, do alto da sua mistura de inocência e esperteza, perguntou a Feola: “Tudo certo, professor. Mas o senhor combinou com os russos?”
A cúpula da campanha de Bolsonaro olha para os dados das pesquisas e faz suas orientações para o presidente. Segundo o último Datafolha, o apoio da população à democracia nunca foi tão alto. Somente 7% dos entrevistados disseram na última rodada apoiar uma ditadura, o menor percentual histórico já apontado pelo Datafolha.
A última pesquisa Genial/Quaest apontou que cresceu o percentual daqueles que dizem ter medo do retorno de Lula e do PT ao poder, um percentual de 40%. Mas é maior o percentual daqueles que dizem ter medo de um governo radical, de extrema-direita, com Bolsonaro: esses seriam 45%.
Assim, fica claro para a cúpula que Bolsonaro, na entrevista desta noite, deveria falar para eleitores conservadores, mas mais moderados. Que acreditam na democracia brasileira, mas que se decepcionaram com a era em que o PT comandou o país nos dois governos de Lula e nos dois governos de Dilma Rousseff.
Ou seja, pelo script combinado, Bolsonaro deveria evitar na entrevista fazer os questionamentos que faz ao sistema eletrônico de votação. Evitar os rompantes que reforçam suas tendências antidemocráticas. Nada falar sobre convocações militares e militantes para o Sete de Setembro. Demonstrar respeito pelos mais de 600 mil mortos na pandemia de covid-19.
E, então, deveria centrar naquilo que a cúpula da campanha acha que pode atrair o voto dos eleitores de que Bolsonaro precisa. Ele necessita principalmente angariar mais votos entre os mais pobres, onde perde mais feio para Lula. Então, é falar de Auxílio Brasil e dos demais benefícios. É dizer que tem concluído a transposição do rio São Francisco, entregando água às populações do sertão nordestino.
Mas, aí, voltando a Garrincha e Feola, é preciso combinar com os russos. Bonner e Renata Vasconcelos sabem que esse é o caminho que Bolsonaro consideraria mais confortável para trilhar. Certamente, os dois jornalistas não o entregarão com facilidade. Terão diversas falas e momentos da pandemia para reforçar os erros e a eventual falta de solidariedade do presidente com as famílias enlutadas. Terão diversas falas e momentos para reforçar os discursos de ódio e antidemocráticos de Bolsonaro para provocá-lo. Sabem que o projeto de transposição do São Francisco foi iniciado no primeiro governo de Lula. Se darão ou não essa colher de chá a Bolsonaro, é o que veremos.
E, finalmente, há no caso da cúpula da campanha de reeleição um russo que é um verdadeiro czar: o próprio Bolsonaro. O presidente recusou-se a fazer media training. Tem sido desde sempre imprevisível. Avalia também que não pode passar a impressão de que ficou intimidado pelos jornalistas da TV Globo. Irá, então, encontrar o tom certo?
É por isso que as entrevistas desta semana são consideradas decisivas. Elas poderão tornar a disputa mais acirrada. Ou ajudar a decidir a parada de vez.