Comentário do dia: “Sou a favor da democracia. É verdade esse bilete”
Como resposta a um manifesto que a essa altura já reúne mais de 250 mil assinaturas, o presidente Jair Bolsonaro resolveu nas redes sociais fazer o “manifesto do eu sozinho”. No Twitter, Bolsonaro fez a sua singelíssima manifestação de defesa da democracia: “Por meio desta, manifesto que sou a favor da democracia. Assinado: Jair Bolsonaro”.
O presidente só faltou fazer como aquele menino de cinco anos que viralizou em 2018 quando a sua mãe publicou nas redes um bilhete escrito por ele em que tentava se passar pela direção da escola para cabular aula. Para reforçar a veracidade da sua falsificação, o menino fez o seguinte “P.S” no final: “É verdade esse bilete”. Bilete, com o inocente erro de ortografia.
Assim como o menino travesso, Bolsonaro vê-se obrigado a reforçar a veracidade da sua afirmação, diante da constatação de que muito poucos acreditam nela.
Em primeiro lugar, se houvesse segurança quanto ao compromisso de Bolsonaro com a democracia, a carta produzida pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) não teria sido produzida. Se essa fosse somente a impressão daqueles que fazem oposição sistemática ao governo, ela não teria tido obtido a adesão que obteve. Seria apenas uma manifestação de estudantes e de grupos mais à esquerda. Não haveria entre as assinaturas empresários e banqueiros que em 2018 apoiaram a eleição de Bolsonaro.
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Para aderir à carta da USP, clique aqui.
Como dissemos ontem por aqui, tal desconfiança não acontece de graça. Ela é motivada pelas próprias atitudes de Bolsonaro. Listamos dez exemplos. Poderíamos ter listado outros dez.
E, caso nada disso bastasse, o efeito das atitudes do presidente fica explícito nesta última rodada da pesquisa Datafolha. De acordo com a pesquisa, mais da metade do eleitorado brasileiro (52%) não acredita no que diz o presidente.
Há, porém, um lado positivo disso tudo. A reação de Bolsonaro mostra os efeitos que a carta da USP teve sobre os seus ensaios antidemocráticos. Ontem mesmo, antes dessa última reação, já apontávamos isso.
A adesão à carta de personalidades de perfil conservador, de segmentos que majoritariamente estiveram com Bolsonaro em 2018, é um tremendo sinal de alerta. Setores ligados à campanha do presidente já o vinham alertando a esse respeito. A orientação que tinham dado, inclusive, era que Bolsonaro não voltasse a atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) nem atiçasse sua militância mais raivosa na convenção do último domingo (24). Bolsonaro fez o oposto. O que lhe valeu a homologação nesta sexta-feira (29) do seu 146º pedido de impeachment, apresentado pelo líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN).
Outros movimentos no campo conservador nesta sexta devem também ter provocado dores de cabeça em Bolsonaro. A Fecomércio de São Paulo, que responde por 10% do PIB nacional, também aderiu à carta pela democracia. O presidente do União Brasil, Luciano Bivar, está em conversas com o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, e há boatos de que ele poderia desistir da candidatura. Seria um tirombaço em Bolsonaro. Bivar presidia o PSL, partido pelo qual Bolsonaro foi eleito presidente em 2018. E André Janones, do Avante, partido também conservador, terá uma conversa com Lula e não se descarta que também retire sua candidatura para apoiá-lo.
Podem ser sinais de que muitos começam a imaginar que a polarização agora não se dará entre esquerda e direita. Mas entre autoritarismo e democracia. E nessa polarização as opções de boa parte se alteram.