Será extremamente triste para o país se um momento de absoluta celebração da democracia e da transparência gerar como consequência um momento de absoluto desprezo à celebração da democracia e da transparência.
Neste momento, diante da avaliação que fazem do desempenho que tiveram nas entrevistas ao Jornal Nacional, da TV Globo, Jair Bolsonaro, do PL, candidato à reeleição, e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que lidera as pesquisas, cogitam se irão ou não participar do primeiro debate dos candidatos à Presidência, marcado para o domingo (28) na TV Band. E, para a imensa infelicidade de quem celebra a democracia, e espera ter todos os elementos possíveis para votar com informação e consciência em outubro, ambos cogitam não participar do debate.
Se Lula e Bolsonaro não participarem do debate no domingo, não será a primeira vez que líderes na corrida eleitoral fogem de um momento como esse. E todas as vezes em que isso aconteceu, foi péssimo para a democracia. A presença em debates deveria ser obrigatória. Os candidatos reclamam que há debates e entrevistas demais. Para fugir disso, o país deveria evoluir para um modelo de debate em pool de emissoras, obrigatório, como parte do processo eleitoral, pela necessidade que o eleitor tem de estar o mais plenamente esclarecido das propostas dos candidatos.
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Tais momentos de esclarecimento pleno só são possíveis em arenas como as entrevistas a jornalistas e os debates. São as situações que tiram os candidatos das suas zonas de conforto. As situações em que eles são obrigados a falar sobre os temas que os incomodam. Porque não incomodam só a eles, incomodam também a sociedade.
Espaços como o cercadinho de Jair Bolsonaro ou o comício no chão de fábrica são espaços preparados, dominados. Não é aceitável que um homem público se limite só a eles.
No caso das entrevistas ao Jornal Nacional, Bolsonaro e Lula foram ali confrontados com as questões espinhosas relacionadas com o que fizeram e o que deixaram de fazer. Nenhum dos dois pode reclamar do confronto. Críticas podem ser feitas ou não aos desempenhos de William Bonner e Renata Vasconcellos, mas eles estavam ali cumprindo seus papeis de jornalistas.
PublicidadeE a verdade é que os questionamentos feitos, de modo geral, tanto a Bolsonaro quanto a Lula eram previsíveis para ambos. Era óbvio que Bolsonaro seria questionado sobre a sua trágica e desastrosa condução na pandemia de covid-19, sobre os casos de corrupção no Ministério da Educação, sobre seus arroubos antidemocráticos e os xingamentos aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Assim como era igualmente previsível que os questionamentos mais duros a Lula estariam relacionados aos casos de corrupção no mensalão e no petrolão e aos fatos que chegaram a levá-lo a ser inicialmente condenado e preso.
Se hoje não há dúvida de que Lula saiu-se bem melhor que Bolsonaro, nenhum dos dois pode reclamar do que lhes foi perguntado. Se são verdadeiras as informações de que Bolsonaro recusou-se a fazer media trainning antes da entrevista, paga agora o preço da sua escolha. Se a opção de Bolsonaro foi manter a calma para mentir nas respostas, essa foi a sua opção. Apostou no efeito emocional inicial que isso causaria. Esqueceu-se que tudo seria checado logo em seguida. Há na entrevista de Lula também respostas desmentidas pela checagem, mas são coisas bem menos graves.
Os desempenhos, porém, não deveriam autorizar nem um nem outro a fugir do debate de domingo. Porque o eleitor merece a continuação desse processo de esclarecimento sobre os pontos delicados da atuação e da vida daqueles que se colocam dispostos a governá-los pelos próximos quatro anos.
Se a cúpula da campanha de Bolsonaro acha que ele perde mais do que ganha fugindo do debate, essa é uma atitude covarde que não deveria vir de alguém que fica o tempo todo vendendo a imagem de destemido. Se a cúpula da campanha de Lula acha que ele só deve ir ao debate se Bolsonaro também for, passa uma postura arrogante: Lula não deve esclarecimentos a Bolsonaro, os deve ao povo brasileiro.
Em nenhum momento, prestar esclarecimentos ao cidadão deveria ser mera questão estratégica. Candidato que cala presta sempre um desserviço.