Na década de 1960, Maria Bethânia, em uma canção de Edu Lobo e Gianfranscesco Guarnieri, assim resumia com a força da sua voz grave a era de sombras da ditadura militar: “É um tempo de guerra. É um tempo sem sol”.
“Eu vivo um tempo de guerra”, a canção de Edu Lobo e Guarnieri, é um forte exemplo da postura que boa parte da oposição ao regime militar adotou. Vivíamos um tempo de violência institucionalizada. Em 1964, os militares invadiram as ruas do país com seus tanques de guerra. Depuseram um governo eleito democraticamente. Enviaram para o exílio pessoas como Juscelino Kubitschek e outros que disputariam em 1965 novos mandatos eletivos de forma democrática. Cassaram deputados e senadores e fecharam o Congresso. Igualmente cassaram ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Se impuseram pela força. E geraram como reação a ideia de que a força deveria ser combatida com mais força.
Finda, felizmente, a ditadura militar em 1985, boa parte dos grupos de oposição que naquela época imaginaram o caminho da força fizeram uma revisão dos seus conceitos e consideraram que tal caminho fora um erro. Um erro que levou à tortura e à morte de diversas pessoas. Um erro que talvez, em vez de abreviar, tenha contribuído para prolongar o tempo de ditadura no país.
Leia também
Somente quando a oposição se organizou pela paz é que a ditadura começou a ruir. Primeiro, com as greves do ABC. Depois, com o movimento das Diretas Já. E o golpe final da candidatura de Tancredo Neves, que derrotou a ditadura com o uso das suas próprias ferramentas. O que fizemos depois disso, entre erros e acertos, já não é parte da história do combate à ditadura. Mas da nossa história de esforço pela redemocratização do país. Talvez a lição que tenha ficado é de que o melhor caminho para combater a sombra não é lançando mais sombra sobre ela. A sombra se alimenta de sombra. Deve, então, ser combatida com luz. O fim de um tempo de guerra deve ser um tempo de sol.
É preciso que se diga que hoje não vivemos ainda um tempo de guerra. Mas vivemos, sim, um tempo de retórica de guerra. Um tempo em que há um governo que estimula, com as suas palavras, a criação de um tempo de guerra. Um governo que, com suas ações, mostra o apreço que tem pelas sombras. Tornando sigilosas diversas informações. Desestimulando a transparência. Que a sombra, então, não seja combatida com mais sombra! Que a retórica de guerra, então, seja combatida com uma retórica de paz!
Na segunda-feira (11), o comando da campanha do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, discutiu a ideia de procurar os comandos das demais campanhas democráticas para propor a todos uma união em torno da defesa e da construção de um ambiente de paz para as eleições de outubro.
PublicidadeÉ absolutamente necessário que tal ideia não morra no seu nascedouro. Que a campanha de Lula, sendo ele hoje o nome que lidera as pesquisas de intenção de voto e o favorito para vencer as eleições, tome a iniciativa da promoção dessa retórica de paz. E que todos os demais candidatos que professam da mesma forma a defesa da democracia aceitem esse gesto e se unam pela defesa de um processo no qual o embate seja só de ideias. Onde não seja minimamente admissível que alguém se julgue no direito de invadir uma festa de aniversário e matar o aniversariante, como fez o bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho com o petista Marcelo Arruda no final de semana.
A ideia é óbvia como o abrir de uma cortina. Como o levantar de uma persiana. Quando a luz do sol começa a entrar pela janela, ela imediatamente destrói a sombra que havia antes. O que destrói um tempo de guerra é um tempo de paz. O que elimina um tempo de sombra é um tempo de sol.
À ideia do “tempo de guerra” do “tempo sem sol” da canção de Edu Lobo e Guarnieri, que tal a ideia proposta em “As forças da natureza” na música de João Nogueira e na poesia de Paulo Cesar Pinheiro, na voz igualmente forte de Clara Nunes? Eles diziam que “quando o sol se derramar em toda a sua essência” os “palácios vão desabar” e que “as armas e as ervas daninhas, as pragas e os homens do mal” iriam “desaparecer nas cinzas de um carnaval”.
Assista abaixo ao comentário em vídeo: