Em 1928, o poeta Carlos Drummond de Andrade publicou na Revista de Antropofagia um poema que considerava “insignificante”. O tempo mostrou que, neste caso, Drummond estava sendo extremamente severo com ele mesmo. Certamente, ele escreveu versos bem mais sofisticados que aqueles. Mas tão significantes quanto os de “No Meio do Caminho”. Na singeleza daquele curto poema estava a concretização dos diversos obstáculos aparentemente intransponíveis que se colocam no caminho das pessoas e que transformam em profundo cansaço alguns momentos das suas vidas.
Há hoje um quase consenso no Congresso de que há “uma pedra no meio do caminho”. Essa pedra é o sistema tributário brasileiro. Na última rodada do Painel do Poder, pesquisa que o Congresso em Foco Análise faz trimestralmente com os principais líderes da Câmara e do Senado, isso ficou patente. A pesquisa perguntou aos parlamentares que importância, com uma nota de um a cinco, eles davam às reformas estruturantes em discussão. A nota média atribuída à necessidade de reforma tributária foi 4,27.
O problema, porém, é como tirar essa pedra do meio do caminho. Porque aí, mostra tanto a pesquisa como a prática dos últimos anos, quando a coisa começa de fato a ser discutida empaca nos detalhes e a pedra da necessidade de reforma tributária vai ficando pelo caminho.
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Em uma rodada de conversa com jornalistas na segunda-feira (8), os economistas Manoel Pires e Rodrigo Orair discutiram essas questões. Manoel Pires é coordenador do Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas (FGV)/Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB). E Rodrigo Orair é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal. São dois dos autores do livro “Progressividade Tributária e Crescimento Econõmico”, que acaba de ser lançado pelo Observatório de Política Fiscal com o apoio da Samambaia Filantropias. Manoel Pires é o organizador do livro.
Na linha do que já mostrava a última rodada do Painel do Poder, Manoel e Orair apontam que as discussões resumidas nas PECs 45 e 110 tiveram um considerável avanço este ano no Congresso. Na avaliação de ambos, o que resultou no relatório da PEC 110, que se encontra agora parada no Senado, é tecnicamente um texto muito bom, cuja aprovação traria mudanças importantes para a economia brasileira.
Mas a ideia em torno da PEC 110 limita a discussão à tributação sobre o consumo. O livro, como apontaram Manoel e Orair, mostra que o país terá que se debruçar urgentemente sobre a progressividade do imposto que é pago no país. Em como tornar mais justa e racional a distribuição dos impostos entre a sociedade.
De novo, uma discussão complicada. De novo, uma pedra que todos concordam que precisa ser transposta. Mas, de novo, algo que esbarra nos detalhes quando de fato se começa a discutir as propostas e o eventual perde e ganha de cada uma delas para cada segmento da sociedade.
A tabela mostrada por Manoel e Orair mostra o tamanho da encrenca. O imposto no Brasil parece progressivo e justo somente até um determinado segmento de renda. Depois, ele se torna insuportavelmente injusto. O valor vai crescendo conforme a renda até atingir um pico de 12,32%. Depois, vai caindo, de modo que a parcela mais rica da população brasileira paga somente 5,25% de imposto. Isso acontece, segundo os dois economistas, pela isenção que há na taxação sobre lucros e dividendos.
É uma situação que hoje onera a classe média e deixa de fora da conta quem realmente tem muito dinheiro. A discussão sobre a necessidade rever as tabelas de imposto de renda chegou a avançar em certo momento. Mas acabou abandonada. Talvez porque o governo Jair Bolsonaro e a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, não tenham de fato patrocinado a discussão de maneira decisiva. Como, da mesma forma, não patrocinaram a discussão da tributação sobre o consumo que deu na PEC 110.
Para os dois economistas, tais temas só podem de fato avançar se eles tiverem o envolvimento do governo e a disposição para a discussão. Talvez, eles imaginam, isso possa acontecer num eventual governo Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Embora Lula tenha afirmado que a reforma tributária é sempre uma discussão delicada, ela também disse que sua prioridade no próximo governo seria fazer com que o pobre pudesse voltar a comprar as coisas e o rico viesse a pagar mais imposto. Lula afirmou que sua intenção é chamar todos os segmentos para uma grande negociação em torno do tema.
Pode estar na mesa de discussão dos próximos tempos uma situação de maior justiça tributária.