Às vésperas da convenção que vai homologar no domingo (24) a candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, saltam aos olhos algumas questões que apontam para a sensação de que talvez nem todos aqueles que estarão juntos no evento no Maracanãzinho têm exatamente o mesmo projeto.
A primeira questão puxa todas as demais: Bolsonaro estará ali para vencer as eleições de outubro ou para, diante da iminência da sua derrotar, contestar o resultado e criar um clima de caos no país com vistas a dar um golpe?
Se ele está ali disposto a disputar a eleição de outubro, no que contribui para ele ficar o tempo todo questionando o processo?
Se sua intenção é questionar o processo, isso interessa também aos demais políticos que, dando apoio a ele, também disputarão cargos em outubro? Candidatos ali favoritos nas eleições que estarão disputando, da mesma forma estão interessados em repetir que o processo é passível de falhas? Vão querer abrir brecha para que alguém conteste também o resultado de suas eleições?
Aparentemente, se o projeto é dar um golpe, ele não viria a ter o formato tradicional do que houve em 1964. Aparentemente, não teremos as Forças Armadas como instituição tomando o poder. O que vem parecendo mais provável é que se tente estabelecer um ambiente de caos, com três possibilidades. A primeira seria argumentar que, nesse ambiente, não seria possível realizar as eleições, propondo um adiamento. A segunda possibilidade é criar um ambiente de caos após o primeiro turno, impedindo o segundo turno e, da mesma forma, propondo um adiamento. A terceira hipótese é criar tal ambiente de caos após a eleição, tentando impedir a posse do novo presidente. Vale lembrar que a pandemia de covid-19 permitiu que as últimas eleições municipais fossem adiadas.
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Diante dessas três hipóteses, voltamos ao ponto original do comentário. Vamos lembrar que as eleições brasileiras são gerais. Além do cargo de presidente da República, todos os demais cargos eletivos, com exceção dos municipais, também estarão sendo disputados. Os políticos que apoiam Bolsonaro e disputam vagas para deputado, senador e governador aceitam abrir mão dessas suas pretensões para que os atuais mandatos, de Bolsonaro e dos demais titulares atuais, sejam prolongados?
PublicidadeEm 1964, o arrependimento da classe política começou quando ela percebeu que os militares não estavam nem um pouco dispostos a largar o osso e que não haveria, como se esperava, as eleições em 1965. Foi aí que políticos que apoiaram o golpe passaram a ser contrários. E logo Juscelino Kubitschek e até Carlos Lacerda ficaram contrários. Em 1966, Lacerda e JK, que apoiaram inicialmente o golpe, estavam ao lado de João Goulart, o presidente deposto, na Frente Ampla. Pela impossibilidade de se reunirem no Brasil, fizeram a primeira reunião em Lisboa.
Faltando dois dias para a convenção da chapa de Bolsonaro, sabe-se que há ali uma clara divisão quanto a discursos e estratégias. Uma ala arrepiou-se com a reunião do presidente com os embaixadores e seus ataques ao sistema eletrônico de votação. Vem trabalhando para que Bolsonaro não repita nada disso no domingo. Outra ala, especialmente ligada a Carlos Bolsonaro, quer que Bolsonaro toque fogo no circo. Uma ala quer ver Michelle Bolsonaro sorrindo feliz ao lado de Bolsonaro como forma de ajudar a reverter a rejeição que ele tem entre as mulheres. A própria Michelle, se dependesse dela, estaria bem longe dali.
Os que se arrepiaram com a reunião de Bolsonaro com os embaixadores, os que querem vê-lo mais soft e propositivo, sorrindo ao lado de Michelle, almejam ter no presidente uma alavanca para as suas próprias pretensões eleitorais em outubro. Os que querem botar fogo no circo no fundo não gostam muito da eleição, nem a próxima eleição de outubro nem eleição nenhuma.
É isso o que interessa aos Valdamares da vida, candidatos também aos cargos em disputa daqui a pouco? A ver…