A entrevista que o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, concedeu no domingo (7) ao Correio Braziliense é chave para entender o atual estado de preocupação que o entorno da campanha do presidente Jair Bolsonaro sofre neste momento.
Há, na entrevista, uma série de pílulas de otimismo e felicidade no melhor estilo do personagem de Voltaire, em Cândido. Mas a verdade é que Ciro Nogueira encara em muitos momentos ali o dr. Pangloss como forma de tentar mascarar a imensa paúra que esse entorno tem hoje quanto aos efeitos desastrosos da insistência de Bolsonaro em manter acesos na pauta o questionamento ao sistema eletrônico de votação e o ensaio de ruptura democrática ao qual ele a todo momento incita a sua militância mais radical.
Veja aqui o comentário em vídeo:
Ciro Nogueira fica esgrimindo previsões otimistas sobre o desempenho eleitoral de Bolsonaro e o número de parlamentares que o Centrão vai eleger para tentar abafar o incômodo que demonstra toda vez que tem de lidar com a teimosa obstinação de Bolsonaro em parecer querer melar o jogo democrático de outubro.
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“Eu não gostaria de estar perdendo tempo com isso. Eu confio nas urnas do país”, diz ele, logo no início, na primeira vez em que se manifesta sobre isso, todas vezes instado a fazer tais manifestações pelas entrevistadoras, Ana Dubeux e Denise Rothenburg.
PublicidadeMais adiante, ele volta a falar sobre isso, muito mais como um desejo do que de fato como uma previsão. “No Sete de Setembro, não se tratará mais de urna”, diz ele. Mas Ciro sabe que precisa combinar isso com o presidente. E que o presidente se empolga e não cumpre tais combinados. Por isso, mais adiante, ele apela ao Divino: “Se Deus quiser, a gente vai virar essa página”.
Então, Ciro Nogueira encarna por um tempo a figura do Dr. Pangloss para, mais adiante, outra vez demonstrar o seu incômodo. “O presidente Bolsonaro nunca chegou a nenhum cargo na vida dele sem ser pelo voto”, lembra o ministro. Então, por que questiona o sistema o tempo todo?
Aí, Ciro tenta dar um “Somebody love”, usando a expressão daquele personagem da Escolinha do Professor Raimundo, para tentar reduzir o tamanho do dano da insistência de Bolsonaro em ficar falando das urnas. “Acredito na urna, mas acredito que ela possa ser fraudada um dia. Se não pudesse ser fraudada, o TSE, ao longo do tempo, não estaria tomando medidas para torná-la mais segura”. Ou seja, ao tentar agradar aqui o seu chefe, Ciro, na verdade, reforça que o TSE tem desde sempre auditado e aperfeiçoado o sistema.
E, como as duas entrevistadoras são argutas e experientes jornalistas, elas não caem na tentativa de Ciro Nogueira. “Mas isso não gera mais instabilidade?”, perguntam. E ele sucumbe: “Eu preferia estar tratando de outro tema. Como se diz na minha terra, isso é tratar de defunto, ruim, é perder tempo”.
Fica claro aí o tamanho da encrenca. No Sete de Setembro do ano passado, Bolsonaro viu-se obrigado a recuar quando ficou claro que ele não teria apoio político para embarcar em uma aventura. O presidente sossegou por um tempo e se assanha de novo a dois meses da eleição. E, de novo, a sociedade se organiza para demonstrar claramente que ele segue não tendo apoio para isso.
Foi depois da tal reunião com os embaixadores que segmentos conservadores da sociedade consideraram assinar os manifestos pela democracia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que serão lidos na quinta-feira, dia 11 de agosto.
Nesta segunda-feira (8), Bolsonaro irá a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Será recebido ali por pessoas a quem chamou recentemente de “caras-de-pau”, “sem caráter”. Foi assim que ele se referiu aos que assinaram os manifestos. A Febraban assinou o manifesto da Fiesp.
O comando da campanha de Bolsonaro tem muito medo que novas demonstrações de radicalismo no Sete de Setembro levem de vez a um descolamento desses segmentos conservadores da economia brasileira do presidente. E tentam, em vão, conter Bolsonaro. Mas Bolsonaro é incontível. E, aí, chegamos ao último ponto importante da entrevista de Ciro, quando ele fala dos defeitos do presidente. “É espontâneo demais. Ele fala tudo o que pensa”.
Se Bolsonaro fala tudo o que pensa, é legítimo, então, pelo que ele fala, muitos imaginarem mesmo que ele pensa em ruptura democrática mais do que em ganhar as eleições… E a maioria do país não parece disposta a isso.